Ensaio

Mário Röhnelt: a subjetividade confessional em obras com conotação homoérotica

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Mário Röhnelt: a subjetividade confessional em obras com conotação homoérotica

Na arte contemporânea percebemos as mais variadas manifestações em que corpo, gênero e sexualidade são transformados em objetos de artes, seja na fotografia, pintura, desenho, performance, vídeo ou tantas outras possibilidades que a contemporaneidade, com seus cruzamentos e mestiçagens, permite.

No Rio Grande do Sul, podemos destacar Mário Röhnelt (Pelotas – RS, Brasil, 1950 – 2018), como um dos grandes artistas de sua geração, com uma volumosa produção, na qual aborda temáticas como homoerotismo, corpo/sexo, desejo e sexualidade masculina, tendo iniciado sua carreira como designer gráfico, atividade que exerceu ainda em paralelo à produção artística. 

Na década de 80, partindo de seu acervo pessoal de fotografias, Röhnelt muito frequentemente criava composições marcadas pela autorreferência, que é vista não só em autorretratos, mas também em obras em que o corpo masculino representado se assemelha, em muito, ao do autor. 

Seus primeiros desenhos, ainda na década de 1960, apresentam ambientes fantásticos, de espaços inexistentes na realidade do mundo. Tendo passado pela Faculdade de Arquitetura (UFRGS) entre 1970 e 1972, estabeleceu, nesse período, vínculo com alguns artistas, e dessa união surgiu o grupo KVHR, que teve uma intensa atuação junto ao ainda incipiente circuito de arte contemporânea local, que atuou entre os anos de 1977 e 1980, formado pelos artistas Julio Viega (1955), Paulo Haeser (1950), Alfredo Nicolaiewsky (1952), Carlos Wladimirsky (1956) e Milton Kurtz (1951 – 1996), esse último seu companheiro por mais de 20 anos. 

Com um trabalho com muitas referências na estética Pop Art, Röhnelt participou também do grupo de artistas que iniciou o Espaço N.O. Esse Espaço pode ser descrito com base em seu objetivo: criar em Porto Alegre um lugar destinado à veiculação de variadas manifestações artísticas – no campo das artes visuais, através da arte-postal, arte-xerox, performances e instalações, em música, teatro, dança e literatura –, promovendo intercâmbio com outros centros, organizando cursos, encontros e palestras sobre arte contemporânea. Segundo Ana Maria Albani de Carvalho (2004), um espaço cultural alternativo de exposições que promoveu manifestações culturais experimentais em Porto Alegre e que funcionou entre 1979 e 1981. 

Depois, a partir de 1983, seguiu sua carreira de forma independente, realizando inúmeras exposições em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Recebeu numerosos prêmios, entre esses, em 1981, o Prêmio Aquisição no 1º Jovem Arte Sul-América – Curitiba/PR, e o Prêmio Aquisição no Salão Carlos Drummond de Andrade do Palácio da Cultura (MEC) – Rio de Janeiro/RJ. Em 1993 e 1995 recebeu o Prêmio Aquisição XV Salão Nacional de Artes Plásticas – Galeria do Século XXI, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, RJ. Em 2007, participou como artista convidado do 62º Salão Paranaense, Museu de Arte Contemporânea de Curitiba. Em 2014, foi o homenageado do 8º Prêmio Açoriano de Artes Plásticas – Porto Alegre, RS. 

Mário Röhnelt viveu na capital gaúcha, onde desenvolveu, além de sua produção autoral, trabalhos em projetos artísticos. Um desses foi com o Grupo 3 x 4, formado pelos artistas Laura Froes, Helena D’Ávila, Carlos Krauz e Nelson Wilbert, que apresentou, em 2010, 3 X 4 Vis(i)ta Mário Röhnelt

Ainda em 2010, a convite da Fundação Vera Chaves Barcellos, Mário Röhnelt desenvolveu a curadoria da mostra Pintura: da matéria à represem-tação exposta na Sala dos Pomares, Viamão, RS, onde estão representadas obras de 13 artistas que, segundo Röhnelt (2011), “vão da pintura expressionista abstrata à figurativa de viés gráfico, passando por gradações que fundem essas categorias em diversos níveis”. 

Mário Röhnelt, em 2014, publica o livro Galerias – uma edição em offset, a partir de um livro de artista de exemplar único que já existia há alguns anos. Neste tomo não existe uma só frase, palavra ou legenda. É um projeto com imagens. Segundo Maristela Salvatori (2016), o livro é um delicioso mergulho no imaginário do artista. Este trabalho é mais uma evidência da versatilidade do artista Mário Röhnelt. 

Em 2018, ano de seu falecimento, a Fundação ECARTA, em Porto Alegre, organizou uma exposição em sua homenagem, para a qual foram escolhidas 20 obras, em diversas técnicas e de períodos distintos, selecionadas pelo próprio artista e apresentadas a um grupo de professores, curadores e gestores culturais que assumiram o propósito de dialogar com uma obra de sua livre escolha e criar narrativas poéticas.

A sexualidade é uma marca. A necessidade de “apelar” ao vulgar nunca é vista em seus trabalhos. Ao se retratar, o artista se confessa. Com Mário Röhnelt não é diferente; é apenas mais sublime. Em seus autorretratos, Röhnelt se responde e nos responde à pergunta primordial (quem sou eu?). 

Outra característica das criações de Röhnelt, à luz das relações com o universo homoerótico, é a presença em várias obras com a figura de São Sebastião. Este interesse pela imagem do santo revela uma referência à estética queer.     

Na obra de Röhnelt, não há referências diretas ao homoerotismo; o que temos é uma presença recorrente de representações de corpos masculinos, muitas vezes apresentados como atléticos ou desnudos. As composições de Röhnelt apresentam uma narrativa ambígua, em que o corpo retratado é autobiográfico. A presença feminina é quase inexistente. Assim sendo, apresenta uma significativa abordagem de questões que dizem respeito ao universo homoerótico, uma discussão de gênero ligada ao homoerotismo, mesmo que velada. 

Com sutileza, nos apresenta o tema sem apelar a estereótipos tão comuns na abordagem homoerótica. Em um fazer autorreferencial, o artista mostra a beleza do corpo masculino em sua naturalidade. Os contornos apresentam subjetividades e tensões existentes nas fronteiras das identidades da sexualidade.

Ele está em detalhes, ou por inteiro. Röhnelt revela o corpo desejado como o seu e para o seu. Talvez como forma de dar liberdade ao seu próprio corpo. Quem sabe eternizar sua beleza?  Ser Narciso? Não importa. Através do tornar a si, ele produz além de sua própria subjetividade, criando uma subjetividade no espectador.  O que se instaura em cada observador é a certeza da beleza. 

Por fim, em Mário Röhnelt a identificação do universo homoerótico fica mais a cargo do observador do que da própria obra. A tentativa de responder “quem sou eu?” pode não despertar o tema ao menos atento.  


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Figura 1. Mário Röhnelt. Sem título
Autorretrato, 1982, acrílica [?]. 70 x 100 cm

Foto preta e branca de homem deitado

Descrição gerada automaticamente com confiança média
Figura 2. Mário Röhnelt. Sem título
1980, grafite sobre papel. 66 x 66 cm
Fonte: https://hiveminer.com


Walter Karwatzki é artista visual e escritor alagoano. Cursou doutorado em Processos e Manifestações Culturais. Publicou dois livros de crônicas – Habaneras (2012) e Desde La Habana (2018). Em 2021 recebeu a Menção Honrosa noXVII Concurso Literário Mario Quintana, na categoria crônica, em Porto Alegre – RS.

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