Entrevista

Arnaldo Campos: “Sinto necessidade de escrever, e é só”

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Arnaldo Campos: “Sinto necessidade de escrever, e é só”

A Parêntese número 147, de 15-16 de outubro de 2022, homenageou Arnaldo Campos, por meio de dois textos assinados por Juarez Fonseca e Poti Silveira Campos, seu filho, e que me emocionaram pela lembrança deste escritor que nos deixou há exatos 10 anos – faleceu em 20 de setembro de 2012, em Gramado/RS. Não custa lembrar ele nasceu a 2 de janeiro de 1932, no Rio de Janeiro/RJ; embora carioca, radicou-se no Rio Grande do Sul a partir de 1955, tornando-se um importante nome da literatura do Estado, atuando como ficcionista, livreiro e bibliófilo.

Ao ler os dois textos da revista, imediatamente fui transportado a 1997, na Feira do Livro de Porto Alegre, onde assisti a uma palestra de Arnaldo Campos. Gostei tanto da fala daquele autor – para mim, à época, desconhecido –, que comprei O justiceiro & outras histórias, pela série Pequenas Grandes Obras, da editora Mercado Aberto, livro que estava sendo lançado naquele momento.

O autógrafo no meu volume não deixa dúvidas: esse primeiro encontro com Arnaldo Campos se deu em 13 de novembro de 1997. Como à época precisava entrevistar um escritor, para uma disciplina no Mestrado, na PUCRS, perguntei se poderia encontrá-lo para tanto, o que ele prontamente aceitou. No final de 1997 (não lembro a data correta), fui à Porto do Livro, no Campus Central da UFRGS, livraria que ele administrava à época. A conversa durou muito além do que está registrado, pois a fita cassete acabou, mas o assunto não.

No único trabalho sobre a obra do escritor em nível acadêmico, a dissertação de Mestrado A presença de personagens marginais nos contos de Arnaldo Campos, de Thiago Marques Schmidt, por mim orientada no Programa de Pós-Graduação em Letras da FURG e defendida em maio de 2013, a entrevista aparece como anexo. Agora, pela primeira vez ela é publicada além do âmbito universitário, em uma pequena contribuição para se pensar esse escritor que aprendi a admirar e gostar – depois de conhecê-lo, naqueles meses finais de 1997, dediquei-me a comprar e a ler a sua pequena mas significativa obra: O degrau (contos, 1969), Réquiem para um burocrata (novela, 1983), A boa guerra (novela, 1986), A ceia do diabo (romance, 1994), Breve história do livro (história, 1994), O justiceiro & outras histórias (contos, 1997) e Um livreiro de todas as letras (memórias, 2006).

A seguir, então, um pouco da visão de mundo humanista de Arnaldo Campos.


Mauro Nicola Póvoas – O senhor é carioca de nascimento. Como veio para o Sul?

Arnaldo Campos – Eu sempre me senti atraído pelo Rio Grande do Sul, aquela coisa do frio, da neve, do vinho. Eu já tinha, junto com amigos, conhecido os estados vizinhos do Rio de Janeiro, mas o Rio Grande do Sul ficava muito longe. Até que um belo dia um tio meu, militar, tenente de exército, foi transferido para o Rio Grande do Sul, para Santo Ângelo. Aí me agarrei com ele e pedi que me levasse junto. Aliás, a viagem para cá foi belíssima, quatro dias de trem. O Rio Grande do Sul, então, superou minhas expectativas, até porque conheci Porto Alegre no ano de 1955 e quem conheceu Porto Alegre no ano de 1955 ficou tomado de uma paixão que é difícil de ser curada, apesar de hoje eu ter restrições muito grandes à cidade, não só por essa coisa que avassala todas as grandes cidades não só no país, mas no mundo, e também por coisas que estão acontecendo particularmente conosco aqui em Porto Alegre. Aquele encanto que a cidade tinha em 1955 desapareceu, era uma cidade maravilhosa, uma província civilizada e com recursos, podíamos transitar pelo centro tranquilamente, mesmo de madrugada. Vim para cá por opção, por vontade de vir mesmo. Tornei-me um cidadão do Rio Grande do Sul, Estado que, aliás, conheço muito bem, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, o Litoral, a Serra, quase todas estas cidadezinhas perdidas pelo interior.

MNP – O senhor é um apaixonado por livros: é escritor, colecionador e livreiro. Como começou esta paixão?

AC – Faz 36 anos que eu sou livreiro. Eu comecei em 1961. A paixão por livros começou quando eu tinha uns 10, 11 anos de idade. É uma história curiosa, meio inacreditável. Eu era um guri hipocondríaco, eu sentia os sintomas de todas as doenças do mundo, além de ser um guri muito antissocial, muito recolhido. Talvez a minha mania de doença tenha vindo desta minha falta de relações com os guris da minha idade. Na época, as relações entre pais e filhos pareciam ser mais complicadas, então eu curtia sozinho todos os meus dramas. Um belo dia, eu li um folheto que dizia o que era apendicite, com ilustrações. Assim, automaticamente, comecei a sentir todos os sintomas de apendicite. Na cama, de noite, começava a suar, tinha febre. Era um desespero, eu já não conseguia dormir, imaginando que ia parar numa mesa de cirurgia. Bom, na minha casa não havia livros. Até onde eu pude fazer um levantamento genealógico, não havia livros nem na minha casa, nem na casa dos meus avós e possivelmente nem na casa dos meus bisavós. Ninguém tinha livros. Por parte da minha mãe, eram de profissão sapateiro, e meu pai, por coincidência, já que, evidentemente era de outra família, também era sapateiro. Não havia tradição nenhuma de leitura nem me consta que houvesse algum intelectual na família. Mas por instinto de sobrevivência, eu descobri o único livro que tinha lá em casa. Eu sabia que existia esse livro, mas nunca o tinha pego para ler e era exatamente um livro de Monteiro Lobato, Reinações de Narizinho. E, por qualquer coisa que vem lá de dentro da gente, eu pensei: “Olha, o caminho é por aí”. Eu devia saber que eu era um cara meio débil mental, assumindo todas as doenças do mundo, sem nenhuma razão, pois no fundo eu era sadio. E comecei aquele esforço de leitura, mais ou menos assim como: “Tu lendo, tu vais te distrair”. Na verdade, nunca tinha lido livro nenhum. No ginásio, os professores insistiam na questão da leitura, lia-se mais do que se lê hoje, proporcionalmente. Aí peguei o Monteiro Lobato e num esforço de salvação, de tentar me curar da apendicite, eu acabei me integrando naquele mundo do Sítio do Pica-Pau Amarelo e aquela gente toda: Emília, Visconde de Sabugosa. E, aos poucos, foi passando, lia uma página, dava um cochilo, lia mais um pouco, dava uma cochilada maior. Por fim, me dei por curado da apendicite e o Monteiro Lobato entrou na minha existência. Terminei de ler aquele livro e fui procurar os outros livros do autor, que custavam dois mil réis cada um. Até os quinze anos eu já tinha lido quase toda a literatura infantil de Monteiro Lobato publicada até então. Daí para frente, tornei-me um leitor. A partir daí, a minha vida começou a mudar do ponto de vista social, eu fui me integrando, convivendo com outros guris, nas brincadeiras da época, já que antes eu era um pouco afastado, chorão. A partir deste momento, eu comecei a ter uma vida mais saudável dos pontos de vista intelectual e psicológico e aí enveredei pela literatura. Aos 14 anos me associei ao Clube do Livro, através do qual li todos os grandes clássicos mundiais.

MNP – Gostaria que o senhor contasse um pouco da sua história como escritor.

[Continua...]

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