Zara Gerhardt – Uma autora de “memórias emprestadas”
Fui jantar na casa da Zara Gerhardt no último 23 de junho com a desculpa de que ela havia testado uma receita nova de licor: Limão-bergamota. ‘‘Olha, menina, pode ser que esteja péssimo pra ti. Eu gostei.’’ – sempre aberta à possibilidade de falha com a leveza que a vida trouxe. Não sei quando a nossa amizade nasceu, talvez tenha sido no primeiro dia de oficina do professor Fischer, talvez no segundo. O que sei, e sei porque sinto, é que nossas histórias podiam ter se cruzado na Bahia, podia ter sido em Goiás – ambos estados em que moramos – e se aconteceu aqui em Porto Alegre, foi só mais um detalhe de nossas trajetórias andarilhas. Zara, assim como eu, é uma vivente do mundo, a diferença é que eu ainda tô nos trinta, e ela já fez escola. A entrevista oral foi completada em seguida pela autora por e-mail. Aqui divido com vocês um pouco desta conversa que tecemos eternamente, a cada encontro um pouco mais.
Nathallia Protazio
Parêntese – Zara, antes de mais, o teu nome não passa despercebido, qual a história por trás dele?
Zara Gerdhardt – Meu nome foi dado por meu pai. É o nome de um poema de Antero de Quental, poeta português do século XIX, escrito para a pedra tumular de uma menina falecida ainda criança, irmã de um amigo, Joaquim de Araújo Furtado. Só descobri recentemente este poema que, como seria de se esperar, é muito bonito e triste. Gosto muito do meu nome e me identifico com ele.
P – Acredito que muito da mulher e geóloga que você é nasceu no convívio familiar da tua primeira infância. Conta pra nós como foi ser uma criança porto-alegrense na década de 50.
Z – Não sei se tive uma infância típica das crianças da época. Acho que não. Nasci numa família de classe média. Minha mãe era professora de música e meu pai advogado e publicitário. Fui a primeira filha e primeira neta da família do lado materno. Como nasci muito pequena e magra, achavam que eu não ia vingar e sempre fui muito presa, só brincando dentro do apartamento, sem permissão para me sujar, até os cinco anos. Eu era obrigada a estar sempre bem arrumada, usando roupas bonitas e desconfortáveis. Lembro de numa certa ocasião em que já estava pronta para sair e rasguei um vestido, cujas costuras arranhavam a pele. Imagina que havia até um avental branco e engomado para usar sobre a roupa, só para brincar!
Talvez a Geologia tenha funcionado como um contraponto de liberdade e ausência de rotina, pelas quais eu ansiava. Trabalhando no campo, eu saía de madrugada para o trabalho, voltando toda suja, empoeirada e suada ao anoitecer. Minha profissão permitiu que eu fizesse tudo o que sempre tinha sido proibido na infância. Foi uma maneira de me libertar de todas aquelas amarras, fazendo o que gosto.
P – Para nós entendermos melhor a tua história, que se entrelaça com a história da cidade e do Brasil, você poderia dizer algum fato curioso em relação ao teu pai?
[Continua...]