Entrevista

Mirian Fichtner – Um pedido dos pais e mães-de-santo, das entidades e Orixás

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Mirian Fichtner – Um pedido dos pais e mães-de-santo, das entidades e Orixás

Nesta entrevista com Mirian Fichtner, que já publicou as fotos de seu trabalho com a Parêntese, a autora de Cavalo de Santo responde sobre temas que envolveram a direção de seu filme. Cavalo de Santo tem estreia programada para novembro e nasceu por conta da quantidade de religiões de matriz africana no Rio Grande do Sul. Um mergulho de Fichtner na intimidade conquistada com os pais e mães-de-santo, numa produção que exigiu sua quase invisibilidade para captar cenas que deram voz aos Batuques que se espalham pelo estado gaúcho.


Parêntese – Passado o primeiro momento de circulação do filme, que foi consagrador, como tu vês o “Cavalo de santo” agora? 

Mirian Fichtner – O documentário, após percorrer durante um ano festivais de cinema no Brasil e exterior e ganhar vários prêmios, agora começará sua trajetória pelos circuitos de cinemas. 

Fazer um filme circular, hoje, no Brasil, na minha opinião é uma tarefa quase impossível. O fechamento da ANCINE, do Ministério da Cultura, a falta de políticas nacionais para o audiovisual e distribuição para o cinema dificultaram muito a circulação dos filmes. Uma situação que ficou ainda mais complicada com a pandemia. Furar as bolhas, sair dos guetos culturais e chegar no grande público está tão difícil quanto filmar e produzir cinema.

A estreia nacional será em Porto Alegre, na semana de 17 a 23 de novembro, na Cinemateca Paulo Amorim, na CCMQ, com sessões diárias às 19 horas.  

No dia 20 de novembro, data em que é celebrado o Dia da Consciência Negra e contra a intolerância religiosa no Brasil, o filme entrará em cartaz na plataforma de streaming Globoplay, onde poderá ser visto pelo grande público. 

Dia 25 de novembro faremos uma sessão especial em Salvador com debate com a presença dos diretores e autoridades religiosas, mediado pelo presidente Fundação Pedro Calmon – Zulu Araújo. 

Além disso, estamos fechando a distribuição com a Lança Filmes, e estão previstas apresentações em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, São Luís, entre outras cidades do Brasil.

Mirian Fichtner capta Pai Ricardo em cena do filme.

P – De onde veio a ideia inicial da produção das imagens e da documentação? 

MF – A ideia inicial deste trabalho surgiu com uma pequena nota de pé de página publicada no jornal O Globo, em 2005, com os dados do censo do IBGE de 2000 sobre as religiões de matriz africana no Brasil, mostrando que o Rio Grande do Sul era o estado que concentrava, proporcionalmente, o maior número de adeptos declarados de religião afro e de terreiros no país.

Como gaúcha, achei estranho, não fazia ideia de que isso estivesse acontecendo no RS. Pedi demissão da Revista ÉPOCA no RJ, onde trabalhava, para fazer este trabalho, que acabou durando mais de 10 anos. 

Queria fazer um trabalho autoral de longo prazo e ampliar o meu campo de atuação no jornalismo. 

No decorrer do trabalho, o censo do IBGE de 2010 confirmou os dados do censo anterior, e o mapa das religiões no Brasil feito pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), em 2011, apontou Porto Alegre como a capital das religiões afro no país. Em segundo lugar estava o Rio de Janeiro e em terceiro Salvador, na Bahia.

Primeiro lancei o livro, em 2011, com apoio da Fundação Palmares, e depois o documentário longa-metragem em 2021. Além de fotografar, comecei a filmar. O Cavalo de Santo é reflexo deste movimento: minha transição profissional, do fotojornalismo para o documentário que coincide com a afirmação da cultura religiosa afro, no Rio Grande do Sul.   

Para filmar, muitas vezes, era preciso ficar quase invisível, presenciar cenas e fazer registros de momentos sagrados, quando era preciso muita intuição e familiaridade com o assunto, sempre com a autorização do povo de religião. Não fiz nada que não fosse conversado antes e tivesse aprovação deles. O filme não é só meu, é deles também. Fizemos tudo juntos.

O trabalho apresentou a diversidade das religiões afro-gaúchas com suas características regionais, assim como as diferenças existentes entre os rituais do sul e os que ocorrem no restante do Brasil. 

Foi um marco histórico na cultura gaúcha, com repercussão nacional, por se tratar de um documentário fotográfico pioneiro sobre a cultura imaterial das religiões afro-brasileiras no Rio Grande do Sul. Quebrou estereótipos como o de o RS ser considerado uma Europa brasileira.

A primeira edição do livro ganhou dois prêmios nacionais-II Prêmio Afro e I Prêmio Petrobrás de Jornalismo. Em 2018 a Revista Zum do IMS (Instituto Moreira Sales) indicou o livro Cavalo de Santo entre os dez fotolivros mais relevantes sobre cultura afro-brasileira. O livro tornou-se uma obra de referência sobre o assunto.

A ideia do filme nasceu para dar voz e protagonismo aos personagens retratados no livro, ponto de partida para a realização do filme. Ouvir suas rezas, seu batuque, mostrar a sua cultura exuberante e conhecer a vida pulsante dos terreiros gaúchos. Uma forma de preservar os saberes e memórias desta cultura imaterial, afro-brasileira no Rio Grande do Sul, transmitida pela oralidade da ancestralidade negra no Estado. Além de combater o preconceito racial e a intolerância religiosa, que torna invisível a cultura negra, entre a história oficial dos gaúchos.

Muitas cenas do filme parecem ter saído das páginas do livro para ganhar vida e movimento. Um dos maiores desafios deste trabalho foi conseguir passar para a tela a emoção e a fala dos personagens, além da linguagem fotográfica com mesma densidade das cores da narrativa visual do livro.

P – Como foi o processo de filmar, acompanhar, presenciar todos os eventos que o filme registra?

[Continua...]

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