Entrevista

Rolf Zelmanowicz, o claro espírito do mecenato

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Rolf Zelmanowicz, o claro espírito do mecenato O colecionador posa com a escultura icônica "O Laçador" de Antônio Caringi

A história pessoal de Rolf Zelmanowicz obedece ao que seria um roteiro cinematográfico. Seu início ocorre na Alemanha, onde nasceu, e segue com a fuga da família para o Brasil – beneficiados com um decreto assinado pelo Papa Pio XII -, até estabelecer-se na cidade de Rio Grande, onde chegou aos dez anos de idade acompanhado de pai, mãe e seu irmão mais velho. 

Aos dezoito anos presta vestibular para Medicina em Porto Alegre, vindo a exercer a profissão por um largo espaço de tempo até dedicar-se ao empresariado. 

Impossível resumir em poucas linhas uma vida que hoje soma 92 anos, mas é relevante sua atuação como mecenas de arte em Porto Alegre e sua assinatura na criação da histórica Pinacoteca da APLUB, acervo guardião da arte praticada no Rio Grande do Sul e que abrange toda a produção do século passado.  

Rolf Zelmanowicz é um empreendedor antenado e de rara sensibilidade. Um fato notável em sua biografia, que vale assinalar, foi sua criação de um site inédito de consultas – aos 70 anos -, ABC da SAÚDE, com a participação da elite da Medicina do RS. 

A doação do acervo pessoal de 150 obras, incluindo 40 obras de Scheffel, para o município de Porto Alegre, vai proporcionar a criação de um novo “museu/pinacoteca”, chamado de Coleção Rolf Zelmanowicz (inspirado no “The Frick Collection”, em Nova York).  

Renato Rosa


Roda de perguntas para Rolf Zelmanowicz


Tânia Carvalho, comunicadora: Como surgiu esta paixão específica pelas artes plásticas?

Rolf Zelmanowicz – A razão mais importante deve ter sido o fato de ter casado em 1958 com a Elisabete, uma estudante do Instituto de Belas Artes, como era assim chamado. Ela vibrava com os professores, com os detalhes de cada desenho, com os grandes pintores e suas obras. Na Medicina escolhi me especializar em Gastroenterologia para atuar em Abdômen Agudo, na época um aspecto novo e, como o nome está dizendo, que apresenta casos gravíssimos, e nos quais me envolvia o dia todo. O convívio com a Elisabete e o seu entusiasmo pelo desenho e pintura me contagiavam e me distraíam dos aspectos mais difíceis da minha profissão.


Casal Elisabete e Rolf Zelmanowicz na Galeria Vittorio Emmanoel, Milão (arquivo pessoal)


Cacaio Praetzel, publicitário e artista visual: Qual o sentimento que você sente ao passar boa parte de sua vida dedicada a colecionar arte?

RZ – O meu gosto é fundamentalmente por obras que eu chamaria de Belas Artes. Por obras que ao serem expostas transmitam beleza, harmonia e fidelidade. Obras que o público vai diferenciar, apreciar e fazer justiça ao artista e especialmente aos que merecem ser conhecidos.


Antônio Gerbase, médico e artista visual: Dos livros que escreveste, qual deles destacarias? E até hoje quem mais gostaste de ler? Citarias um autor ou mais?

RZ – Prezo muito os três livros que escrevi/colaborei: a Dieta do Mediterrâneo, o livro sobre a Amazônia e o livro sobre a lista do Papa Pio XII. O que eu mais aprecio ler são as obras sobre Arte e História da Arte. Meus autores prediletos são Roger Scruton, Beleza; Mario Vargas Llosa, A civilização do espetáculo; e Hegel, O Belo na arte.


Capa do livro “A Lista do Papa Pio XII” de Marianne


Arminda Lopes, escultora: Qual a obra que está sendo doada e que teria um maior significado entre elas? Qual é o sentimento ao se desprender dela? Esculturas fazem parte destas doações?

RZ – Existem duas obras do E. F. Scheffel que tem grande significado para mim, “Mulher Rio-grandense” e “O Flautista”. Meu sentimento ao doar estas obras é de alegria e orgulho ao contribuir culturalmente com a minha cidade e dar oportunidade a artistas de alta qualidade serem mais bem apreciados. O conhecimento das suas raízes, suas origens e seus costumes através da arte engrandece um povo. Dentre as obras que serão doadas estão mais de 20 esculturas, inclusive obras do Antônio Caringi, como “O laçador”. E. F. Scheffel, que trabalhou durante cinco anos na Itália com o famoso escultor Berti, estará representado com um belíssimo “Cavalo de guerra”.
Elisabete adquiriu há muitos anos uma obra de Vasco Prado, “A moça roubada”, no tamanho pequeno, que é, a meu ver, a melhor obra dele. Na nossa coleção não temos nenhuma obra tua, falta que gostaríamos de sanar oportunamente!

Mirian Avruch, gestora cultural: Feliz ao saber da doação. Pergunto: os itens constantes no termo de doação deixam claras e bem amarradas as responsabilidades da Prefeitura Municipal, referentes à continuidade dos cuidados da coleção em decorrência das mudanças de comando a cada 4 anos? (Nos anos 1980 encontrei as coleções Rubem Berta doada por Assis Chateubriand (de artistas nacionais e estrangeiros) e a coleção Pinacoteca Aldo Locatelli (de artistas gaúchos) amontoadas há muitos anos nos porões do prédio, úmidas e com baratas, cupins e demais, num total abandono).

RZ – Eu já há vários anos conheço alguns integrantes da Secretaria Municipal de Cultura, e mais recentemente conheci pessoalmente o Secretário Gunter Axt, quando assumiu suas funções no comando da Secretaria. Nas nossas várias conversas com ele e demais integrantes da Secretaria percebi que há um forte senso de responsabilidade em relação ao cuidado e a preservação das obras pertencentes às pinacotecas municipais. O corpo técnico da Secretaria é excelente, e grandes avanços foram feitos nesta área, como um novo e moderno espaço para a reserva técnica da Rubem Berta. A Locatelli também conta com uma sala para a reserva técnica muito bem aparelhada.
Para a nova pinacoteca que está sendo doada também está sendo criado um espaço específico para a sua reserva técnica, onde as obras que não estão em exposição ficarão muito bem acondicionadas. Acreditamos que as obras doadas terão os mesmos cuidados que existem nos museus internacionais que conheci e que estão sendo acolhidas no melhor prédio de Porto Alegre.


Fahrion, doação Rolf Zelmanowicz para a Pinacoteca Aldo Locatelli (Arquivo pessoal)

Jacob Klintowitz, crítico de arte: Você durante décadas se dedicou a construir um acervo museológico e uma coleção de arte particular. Tarefas muito difíceis. Agora você tem oportunidade de contemplar a você mesmo. Como você analisa a sua construção e a dinâmica cultural brasileira atual?

RZ – Orgulho-me de a vida inteira ter tido condições de colaborar com o engrandecimento da arte rio-grandense. Esta doação é o coroamento das muitas iniciativas que tomei. Espero estar dando um bom exemplo. O acesso às Belas Artes engrandece um povo.

Clara Pechansky, artista plástica e curadora: A partir de sua experiência como médico, pesquisador, escritor e importante colecionador de arte, o que aconselharia a alguém que deseja iniciar uma coleção? Deve-se começar colecionando obras de um artista ou direcionar a coleção a uma técnica específica?

RZ – Tenho gosto por certas e raras obras contemporâneas. Aprecio a arte clássica.
Meu conselho é estudar o que seu gosto lhe indica, que a pessoa sinta a obra como algo maravilhoso, que lhe inspire e que também eleve o ambiente onde a obra está colocada.

Rolf Zelmanowicz e o artista plástico Ernesto Frederico Scheffell



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