Crônica | Parêntese

Euclides Bitelo: De trás do balcão

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Euclides Bitelo: De trás do balcão A discussão do momento A loja já estava vazia logo após o horário do almoço quando entraram três jovens, dois meninos e uma menina. Sentaram-se em uma das mesas, pediram o cardápio e, após algumas perguntas à funcionária, decidiram-se por dois capuccinos e um moocaccino, além de alguns pães de queijo. Pelo rosto ainda imberbe dos garotos não deviam ter mais do que 16 ou 17 anos, essa idade tão cheia de certezas, de verdades, e muito pouca sabedoria. E sei bem disso, e falo por experiência própria.  Assim que as bebidas e as comidas chegaram à mesa, um deles puxa um assunto que me chama a atenção, e me faz espichar a orelha para escutar o que eles falavam. Diz o guri loirinho, enquanto os outros ouviam atentos: – Não entendo essa gente que defende o comunismo. Comunismo e nazismo é tudo igual, duas ideologias sanguinárias de esquerda! Nesse momento meu rosto deve ter denunciado o “aff!” que minha mente expressou em silêncio enquanto lembrava do famoso meme das redes sociais:  – 2020, expectativa: carros voadores. Realidade: nazismo é de esquerda ou de direita? O rapazola deve ter reparado, e me perguntou na sequência:  – O senhor não acha que nazismo e comunismo são de esquerda? Reuni toda a minha paciência, que admito ser bem pouca, e dei a explicação que acredito ser a mais lógica.  – Olha, acho que essa discussão não existe, pois parte de um “não argumento”. Nazismo é forma de governo, já o comunismo é um sistema econômico. Então os nazistas devem ser comparados aos monarquistas, aos democratas, aos parlamentaristas, etc. Já os comunistas aos liberais, aos capitalistas, socialistas e por aí vai. – Mas e o Stálin? – me pergunta o pequeno meritocrata. – Stálin era um ditador, como Hitler, e acho que concordamos que nenhuma ditadura é legal, né? Independente da desculpa que inventam para nos enganar. – É…  Outro cliente chega e começo a atendê-lo e a partir daí não consigo mais prestar atenção no papo dos três. Só falo novamente com eles novamente quando eles se dirigem ao caixa para fechar a conta.  – Então o senhor é do PT? – dispara o alemãozinho. – Às vezes acho que sou um E.T. – respondo. O outro menino e a menina riem, e o nosso pueril cientista político também esboça um sorriso sem graça antes de deixarem o estabelecimento. A lição que fica, ao meu ver, é que a direita ganhou essa etapa do discurso nas redes sociais. Infelizmente a esquerda não sabe como conversar com os jovens. E o que é pior, pelo visto não estão muito interessados em mudar seu discurso (essa coisa tão anos 1980) e sua forma de comunicação nestes tempos de pós-verdade, onde todos esperam uma explicação simples, que se encaixe dentro daquilo que já acreditam, para problemas complexos e seus problemas existenciais.    Seguimos, tentando sobreviver ao Brasil. Este texto foi escrito ao som de “Música Serve Pra Isso”, do Mulheres Negras. Dica de leitura para […]

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A discussão do momento A loja já estava vazia logo após o horário do almoço quando entraram três jovens, dois meninos e uma menina. Sentaram-se em uma das mesas, pediram o cardápio e, após algumas perguntas à funcionária, decidiram-se por dois capuccinos e um moocaccino, além de alguns pães de queijo. Pelo rosto ainda imberbe dos garotos não deviam ter mais do que 16 ou 17 anos, essa idade tão cheia de certezas, de verdades, e muito pouca sabedoria. E sei bem disso, e falo por experiência própria.  Assim que as bebidas e as comidas chegaram à mesa, um deles puxa um assunto que me chama a atenção, e me faz espichar a orelha para escutar o que eles falavam. Diz o guri loirinho, enquanto os outros ouviam atentos: – Não entendo essa gente que defende o comunismo. Comunismo e nazismo é tudo igual, duas ideologias sanguinárias de esquerda! Nesse momento meu rosto deve ter denunciado o “aff!” que minha mente expressou em silêncio enquanto lembrava do famoso meme das redes sociais:  – 2020, expectativa: carros voadores. Realidade: nazismo é de esquerda ou de direita? O rapazola deve ter reparado, e me perguntou na sequência:  – O senhor não acha que nazismo e comunismo são de esquerda? Reuni toda a minha paciência, que admito ser bem pouca, e dei a explicação que acredito ser a mais lógica.  – Olha, acho que essa discussão não existe, pois parte de um “não argumento”. Nazismo é forma de governo, já o comunismo é um sistema econômico. Então os nazistas devem ser comparados aos monarquistas, aos democratas, aos parlamentaristas, etc. Já os comunistas aos liberais, aos capitalistas, socialistas e por aí vai. – Mas e o Stálin? – me pergunta o pequeno meritocrata. – Stálin era um ditador, como Hitler, e acho que concordamos que nenhuma ditadura é legal, né? Independente da desculpa que inventam para nos enganar. – É…  Outro cliente chega e começo a atendê-lo e a partir daí não consigo mais prestar atenção no papo dos três. Só falo novamente com eles novamente quando eles se dirigem ao caixa para fechar a conta.  – Então o senhor é do PT? – dispara o alemãozinho. – Às vezes acho que sou um E.T. – respondo. O outro menino e a menina riem, e o nosso pueril cientista político também esboça um sorriso sem graça antes de deixarem o estabelecimento. A lição que fica, ao meu ver, é que a direita ganhou essa etapa do discurso nas redes sociais. Infelizmente a esquerda não sabe como conversar com os jovens. E o que é pior, pelo visto não estão muito interessados em mudar seu discurso (essa coisa tão anos 1980) e sua forma de comunicação nestes tempos de pós-verdade, onde todos esperam uma explicação simples, que se encaixe dentro daquilo que já acreditam, para problemas complexos e seus problemas existenciais.    Seguimos, tentando sobreviver ao Brasil. Este texto foi escrito ao som de “Música Serve Pra Isso”, do Mulheres Negras. Dica de leitura para […]

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