Ensaio | Parêntese

Fábio Pinto: Zé do Caixão, um monstro na periferia do capitalismo

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Fábio Pinto: Zé do Caixão, um monstro na periferia do capitalismo
Por Fábio Pinto José Mojica Marins, diretor e ator de cinema brasileiro, faleceu no último dia 19, aos 83 anos. Neto de imigrantes espanhóis, nasceu em São Paulo, numa sexta feira 13, em março de 1936. Deixou sua marca na cultura nacional ao inventar, no início dos anos 1960, um personagem e um gênero. Artista multimídia desinibido como poucos, apavorou multidões de espectadores na pele de Zé do Caixão, o coveiro sádico, de unhas enormes, vestido de preto da cartola aos sapatos. Zé também foi estrela de comerciais, virou marca de cachaça, de esmalte, modelo de carro, foi repórter de jornal e apresentador de tevê, gravou sambas e, certa ocasião, quase virou deputado. Quem nasceu nos anos 60 e adolesceu nos 70 há de lembrar, por exemplo, da capa do disco A peleja do diabo com o dono do céu, de 1979, onde Zé do Caixão ameaça outro Zé, o Ramalho, juntamente com Satã, seu guarda-costas, a atriz Xuxa Lopes e ninguém menos que Hélio Oiticica, de parangolé e tudo. Quem anda pela casa dos cinquenta talvez também tenha visto imagens dos então famosos testes de elenco a que eram submetidos operários, motoristas, faxineiras, secretárias, modelos, vendedores ambulantes e desocupados em geral, que sonhavam com um papel nos filmes de Mojica. Nesses testes, as candidatas e candidatos à fama tinham de aguentar passeios de aranhas caranguejeiras, cobras e baratas pelo corpo, além de choques elétricos e horas dentro de caixões fechados. Nada comparado, claro, ao que acontecia, na mesma época, em porões clandestinos e delegacias brasileiras. Mojica contava que o personagem nasceu em 1963, depois de um pesadelo em que uma sinistra figura toda vestida de preto o arrastava até o túmulo. Quando despertou, viu-se metamorfoseado em cineasta de terror. Até então tinha feito um faroeste e um melodrama nos quais empenhara todo seu dinheiro. Estava falido, e o coveiro sádico veio para mostrar que o seu negócio era outro. Zé do Caixão foi apresentado ao público no mesmo ano em que uma junta militar inaugurava a mais longa e tenebrosa noite da história brasileira. À Meia Noite Levarei Sua Alma chegou às telas em 1964 e logo atraiu multidões por sua mistura de niilismo, sexo, violência. Era um filme de terror, gênero até então inexplorado por aqui, e aos espectadores que talvez esperassem ver na tela a emulação dos modelos estrangeiros, com seus castelos assombrados e monstros de outro mundo, Mojica apresentou uma cidadezinha do interior, com seu povo simples e supersticioso, falando o melhor caipirês do Vale do Paraíba. Essa gente jeca é ameaçada por um sujeito desaforado que, logo no início, aparece comendo uma perna de cordeiro em plena sexta feira santa. Josefel Zanatas (leia ao contrário esse sobrenome), o Zé do Caixão, blasfema e demonstra constantemente seu ódio às crendices populares e à falta de inteligência. Duas coisas guiam suas ações, a iconoclastia e a busca pela mulher perfeita, capaz de lhe dar um filho perfeito. Essa premissa se mantém de À meia noite levarei sua […]

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