Folhetim

A lenda do corpo e da cabeça – Capítulo 5: Tudo a ver com o bandoleiro Paco

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A lenda do corpo e da cabeça – Capítulo 5: Tudo a ver com o bandoleiro Paco
(No capítulo anterior, Ideralda vai em busca do corpo mato adentro e cai numa arapuca)  O bandoleiro Paco não aguentava mais essa coisa de beber. Soava infantil. O álcool o fazia pensar por meio de uma esponja encharcada de água gordurosa. Então o Julio Dias fez uma cara deste tamanho quando o ouviu pedir, em vez do tradicional licor de butiá, nada. – Vai ficar aí sentado sem consumir? – perguntou o bodegueiro. – Algum problema? – retrucou o bandoleiro, percebendo imediatamente que estava sendo grosso apenas por hábito.  Então, aproveitando que sua sombra estava dormindo, Paco fez um gesto com a mão, como um jogador de futebol que pisou sem querer na ponta da chuteira do próprio companheiro. – A vida… – filosofou. E os demais convivas do negócio do Julio Dias balançaram a cabeça em assentimento. Conversas. Um que outro soco de leve na mesa. Na transposição cinematográfica realizada pela Interfilmes, em 1979, Elias Figueroa, zagueiro colorado que interpreta o bandoleiro, ergue-se muito lentamente da cadeira. Ouve-se música de gaita e violão em acordes menores. Por fim, a frase: – Não tem nada a ver com o bandoleiro Paco. E o silêncio torna-se bombástico.  O sujeito que proferiu a frase se levanta, cumprimenta um a um os amigos, com abraços emocionados de despedida. O Julio Dias oferece um último trago. Outro aparece com um caderninho, disposto a redigir as últimas palavras do condenado. Mas o bandoleiro não perde a oportunidade: – Na primeira vez em que nos acusaram de decapitação, era uma tarde modorrenta como esta, num areal como este, com muitas moscas zunindo às margens do rio Chinchiná. Éramos jovem. Acreditávamos que o Diabo nos favoreceria, caso tivéssemos a pachorra de esperá-lo na encruzilhada. Quando o corpo foi encontrado, fomos logo acusado de degola, pelo simples fato de termos tido certo protagonismo em atividades consideradas ilícitas na região. O exército com seus canhões, os liberais com seus panfletos, os conservadores com suas bengalas e os padres com seus demônios se fixaram em nós. Como um pintinho se fixa no primeiro ser vivo que esteja perto quando ele rompe a casca.  O condenado não entendeu se isso significava que o bandoleiro o estava perdoando ou se o estava cozinhando em banho-maria para matá-lo depois do discurso. Por via das dúvidas, escutou de pé o segundo trecho. – Na segunda vez em que nos acusaram de decapitação, era uma tarde mormacenta como esta, num pantanal como este, com muitos borrachudos zunindo nas margens do rio Ypané. Éramos ainda jovem. Já não acreditávamos que o Diabo nos favoreceria, mas tampouco tínhamos esperança nas entidades benfazejas. Quando encontraram o degolado, o exército com seus canhões, os liberais com seus panfletos, os conservadores com suas bengalas e os padres com seus pecados se fixaram em nós. Como um jacaré se fixa nas garças que ousam sair de suas costas para curiosearem sua boca aberta. Agora o condenado já não tinha dúvidas. O bandoleiro Paco estava guardando a janta para mais tarde. Já […]

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