Folhetim

A lenda do corpo e da cabeça – Capítulo 9: Encontro no Guaíba

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A lenda do corpo e da cabeça – Capítulo 9: Encontro no Guaíba
(No capítulo anterior, a sombra mata o louco, trocando a cabeça dele pela do bandoleiro, que assume nova identidade) A emoção que a cabeça sentia ao rodopiar no Guaíba estava acabando quando ele anunciou: – Tá na hora de nos despedirmos. Vem aí a Lagoa dos Patos. De emoção, aquilo virou enjoo. A cabeça começou a suar e tremer, ficou com a boca seca e não conseguia mais fazer umas coisas que nem ela saberia dizer. Só tentava desesperadamente mover as orelhas pra nadar na direção contrária.  Até que desmaiou. Só não se afogou porque a água que entrava pela boca saía rapidamente pela garganta aberta. O Guaíba estava atrasado, não podia parar seu curso rotineiro para atender aquela cabeça neurótica. A única coisa que ele podia fazer era dar um empurrãozinho pra que ela passasse perto de uma canoa que vinha lá do horizonte. O dia já estava nascendo. O remador saberia o que fazer com a cabeça desmaiada. E o remador era o justiceiro Paco, agora portando com naturalidade seu novo crânio. Vinha satisfeito, pensando em como ficaria belo o crepúsculo sobre aquelas águas, depois de ele ter jogado no horizonte o coração sangrento do louco. E é por isso que o pôr do sol no Guaíba é tão bonito.  Aí escutou aquele choque de coco com casco de canoa. A cabeça acordou e não teve dúvidas: – Tu! Gritava tanto que o justiceiro Paco teve medo de atrair para si a atenção dos pescadores que, naquele amanhecer, iniciavam os festejos a Iemanjá. Puxando a cabeça pelos cabelos para dentro da canoa, enfiou com prática um trapo na boca dela e se pôs a explicar a história. Contou que, das outras vezes em que tinha sido acusado de decapitação, sua opção havia sido fugir, mas agora tinha preferido resolver o imbróglio. Contou que tinha trocado sua cabeça com a do louco, de modo a enganar a polícia, em vez de a um pobre rio. Contou a história da vez em que ludibriou o Arroio Jacareí, e que se arrependia disso.  Então a cabeça foi se acalmando e quis contar também suas aventuras pela sanga anônima e o Arroio Capivara, mas o justiceiro quis antes concluir sua contação dizendo rindo que, desta vez, a história tinha tudo a ver com o bandoleiro Paco. – É isso! – disse a cabeça, cuspindo fora o trapo. E contou que tinha saído dias antes do interior, a pé, em direção à capital. Ao passar por uma rua cheia de casas, começou a ouvir gente que dizia “lá vem o bandoleiro Paco”, e se escondiam atrás das janelas. Outros, mais corajosos, se aproximavam e concluíam: “não tem nada a ver com o bandoleiro Paco.”  – Quando tu, aliás, o louco me decapitou, eu já não tava entendendo nada. – Óinnn… – fez o Paco, percebendo imediatamente que estava sendo irônico apenas por hábito.  E cedeu à tentação de pedir desculpas, fazendo um cafuné nos cabelos da cabeça. A sombra, que estivera descansando após […]

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