Folhetim

A parada – Capítulo 6

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A parada – Capítulo 6
Foi lá na Restinga isso tudo. Sim, foi lá. É que uma vez, mais ou menos pelo fim dos anos sessenta, tinha aqui em Porto Alegre a Ilhota. Nem todo mundo hoje sabe disso, era um lugar ali perto do Dilúvio, na Ipiranga, por ali pelos lados da Cidade Baixa. E chamavam parte do pessoal que morava na Ilhota de maloqueiro. Eram as malocas, contam aqueles que escreviam em jornal aqui na cidade. Sim, dava no jornal e tudo, que iam tirar as malocas do lugar, limpar como eu dizia antes. O lugar era cheio de gente morando bem na volta e, na Ilhota, uma pobreza sem tamanho. Mas ajudar a melhorar a condição da Ilhota ninguém quis, quiseram distância. E isso é como a gente vai vendo sempre: que tem projeto, que vai ficar bonito, que vão fazer assim e assado. Só que a nossa voz nunca tá ali presente pra dizer: Aqui! Aqui é a dona Iraci que quer uma solução pra poder ficar! Que quer continuar ocupando esse lugar com dignidade. Não, não tem essa. A opinião do pobre não vale nada para estampar folha de jornal, né? Nem a minha hoje sobre o que querem fazer aqui no Centro, nem a de quem naquele tempo morava na pobreza da Ilhota. Eu tinha uns tios que moravam lá, sim. Foi com eles que eu vim morar quando cheguei do interior. E eles disseram que foi duro mudar pra Restinga. Prometeram que a mudança ia ser pra um lugar muito bom, que a região ia ser servida de água, de luz, de transporte. Que nada! Sabe que projeto tinha, né? Eu já disse, tinha o projeto de levar o pessoal pra longe pra se livrar dos maloqueiros. Jogar o povo na Restinga de qualquer jeito porque esse era o plano da prefeitura. Vai vendo aqui nessa história do Cais do Porto como vai ser. É diferente, eu sei, mas de um jeito igual: não vai ser pra todo mundo. É um negócio de ir fazendo e fazendo e fazendo, mas sem incluir quem precisa, quem precisa atrapalha. Lembra do homem da bonequinha de cera que eu falei? Que veio pra cá e fazia uma coisa mais bonita que a outra? Tem quantos desses por aí, que trabalham com as mãos e com a cabeça. Uns artistas que são coisa linda de ver. Vai ter espaço no Cais? Vai nada! Pode contar, não vai ter qualquer ideia nova se continuarem esses que tão aí. Na Restinga tá cheio de gente que quer mostrar o que inventa e que pode ensinar muita gente num lugar tipo esse da beira do rio. Podia chover gente boa nesse tipo de espaço aí, gente que faz coisa bem diferente nos bairros, mas que eu acho que vai passar a vida sem pisar por aqui. Como eu disse, eu venho porque sou teimosa, insisto mesmo. Aprendi a ser assim. Mas o que eu ia dizendo antes era esse negócio das malocas serem levadas pra […]

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