Folhetim

A parada – Capítulo 7

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A parada – Capítulo 7
Sim, eu guardo uma embalagem de mandolate e uma de rapadura pra depois. Sim, pra decidir se quer um ou outro. São três por dez. Bom, mas eu ia dizendo de amanhã. Enquanto amanhã não chega, vamos seguindo, né? Essa hora é meio complicada, muito movimento. Olha só essa gente toda correndo, eu fico me sentindo até um pouco tonta. É um que vai e outro que vem nessa loucura. Se bem que nem é tanto a hora, acho até que sou mais eu mesma que começo a querer me recolher, que sinto um aperto que sufoca um pouco aqui no peito. Acontece dessas coisas com todo mundo, será que não? Vai dando uma espécie de medo dessa esculhambação, dessa barulheira de ônibus e buzina, desse abafamento que dá nos ouvidos. Parece que tudo fica zunindo, o barulho fica mais alto, a visão fica meio atrapalhada. Mas hoje ainda vou longe aqui, vou esperar o ônibus das oito porque quem dirige é uma filha de uma amiga. Então ela me dá uma carona, vou aproveitar. Claro que eu podia sair antes, mas tomo um café e consigo ficar por aqui mais um tempo. Vou fazer o quê em casa depois? Nada. Aqui ao menos eu converso, passo o tempo, me distraio. Em casa fica aquele silêncio, me dá uma agonia, fico meio atacada dos nervos. Nunca aparece ninguém, porque um foi pra um lado, outra foi pra outro. Então acabo sobrando sozinha, um vazio, nada e nada e nada. É, pelo menos aqui, quando eu lembro das coisas eu enxergo as pessoas na lembrança, o movimento de todo mundo que gira na minha cabeça e mais todo mundo que vejo andando pela na rua. Fica um vazio mais cheio, pelo menos. Um se sentir sozinha, mas acompanhada. Lá em casa, se eu me dou conta de que tô sozinha, que é sempre, né?, ih!, lá é muito mais complicado. Onde é que foi parar todo mundo?, eu fico me perguntando. Pois todo mundo pelo menos tá aqui no centro, né? Me vem cada sonho. Saonho na verdade não é, é pesadelo mesmo. Tem um que volta e meia se repete. Uma coisa estranha demais. É assim, ó. Olha a rapadura aqui, meu senhor, vai uma? Hoje não? Tá bom, tá bem. Desculpa, senhor, como é que é? Acha que eu tô empurrando meus produtos pra vender? Insistindo? Mas eu não insisti, não quero que o senhor leve nada por obrigação. Nunca, não queria lhe ofender, deus me livre. Como assim eu tenho que voltar pra onde eu vim? Quem disse que eu não posso ficar aqui? Mas eu sei fazer o meu trabalho, como assim não sei fazer nada? O senhor nem me conhece pra dizer que eu não presto. Vê se pode me encher de desaforo e me destratar assim na frente dos outros. Eu nem lhe conheço! Tá vendo isso, tá vendo? Ninguém nunca vê nada. É como se eu desaparecesse no meio dessa coisa toda, dessa multidão. […]

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