Folhetim

A parada – Capítulo 8

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A parada – Capítulo 8
O café tava bom, fez bem, tira a encrenca da cabeça da gente e dá uma reanimada, sinto que dá um gosto novo na tarde. É coisa boa um cafezinho preto e forte com um sanduíche. Mas o que eu queria mesmo agora? Agorinha que vai terminando o dia? Pois eu queria a calçada de um sábado de manhãzinha, mais vazio. Bem descansada. Não com esse movimento enorme, claro que não. Não com essa sensação quente que vem acompanhada de um cheiro que arde na gente, assim dentro do nariz. Do jeito que tá a cidade agora me dá uma tontura que dispara os batimentos no peito. No sábado, esse que eu imagino, não é assim pra mim, com essa barulheira que vem voando pra dentro dos ouvidos e que abafa a atenção da gente dos barulhos mais bonitos. Como é que é? Pois te digo. No sábado que eu imagino as ruas são dum amarelo que puxa pra um dourado, um amarelo mais deitado nos prédios, que vem se inclinando, se inclinando. É daquele amarelado mais fresquinho. Ah, é assim que eu sinto, que sábado é um dia desacostumado com o trabalho. Não digo que não tenha, trabalho acontece todo dia. Mas é menos, né? É aquela continuidade que vai indo mais lento de acontecer. Nada desse vermelho e verde ali, ó. Sinal que faz todo mundo apertar o passo, que faz um carro acelerar pra cima do outro. Sábado até a sinaleira tá mais calma, parece. Parece que é, eu bem sei que só parece. E não é assim aqui nessa cidade? Assim, que uma coisa é do mesmo jeito só que, conforme o dia, é de um jeito diferente? Olha lá, olha lá. Tem aquela sacola voando ali por cima do ônibus que vem chegando, tá vendo como agora é uma coisa pesada de ver? É o barulho dessa bagunça toda junta que eu mesma tenho que quase gritar pra tu me ouvir. Agora pensa se fosse um sábado de manhã, eu aqui sozinha na parada, o ônibus vindo de mais longe, só ele. E lá, lá bem onde ela tá, a sacola mais devagarinho dançando no vento desse centro quase vazio. Vai dizer: tu não esqueceu que é o lixo feio voando? A gente até nem se dá conta que é a sacola que vai parar dentro do Guaíba depois, né? É bonito, mas também é feio. Depende o dia, não dá pra se enganar. Olha lá a lixeira como tá, olha. Passa perto pra tu ver se tu não desvia do azedo como se ele fosse um muro. Ô cidade cheia de muro! Tem muro invisível e muro muro. O cheiro é muro. E esses condomínios que tem por aí? Também, cheios de muro. A idade da gente? É muro pra muita coisa. A cor da pele da gente? Muro. O jeito de que a gente tem de falar é outro muro. Ih, a lista é grande. E tem o lado de cá e o […]

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