Folhetim

A parada – Capítulo 9

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A parada – Capítulo 9
Aqui a rapadura e o seu troco, minha filha. Bem certinho, assim mesmo. Pois eu ia dizendo que tem o tal do muro. E tem o muro que separa o passado do presente. Se a gente vai tentando lembrar certas coisas hoje, fica mais difícil, fica mais apagado. Não tem isso? Espera pra ver, espera. Tem uma lembrança aqui e outra ali que parece que só uma outra pessoa pode lembrar pra gente. A nossa memória vai ficando fraca e pede ajuda, porque o acontecimento não volta, a história fica tão longe de alcançar que parece até que nem existiu. A minha cabeça ainda parece ter bem claras as lembranças. Quer dizer, umas, sim e umas, não. Mas tenho uns acontecimentos bem claros dos tempos de guria, quase moça. Lá na Restinga tinha umas boas histórias com parada de ônibus, sabe como era? Pois a gente fazia uma caminhada grande para poder pegar um ônibus que ia da Restinga Nova pra Restinga Velha, uma boa caminhada. Chegava na parada e cada um colocava uma pedra, cada um tinha a pedra que reservava o lugar na fila. Entendeu? Eu pegava uma pedra e, pum!, colocava no chão atrás da pedra da pessoa que tinha chegado antes. E assim se ficava livre de ter que esperar ali em pé, estaqueada. Também pudera, era gente até com galinha no colo. Se tinha galinha? Claro, claro! Tinha galinha e até outros bichos, ih!, tinha cachorro, tinha de tudo. Uns até chamavam o ônibus que vinha de Arca de Noé. Vergonha? Que vergonha, que nada! Pois quer saber, a vergonha é também um muro, sabe? Por aqui, nessa parada do centro, não é nem de perto como era antes. Olha essa parada, olha! Veja como se comporta toda essa gente. Tem uns que nos deixam com vergonha, sim. Mas é porque nos olham torto, nos veem como um bicho estranho. E a vergonha é uma força tão forte que diz que nossa maneira de ser não pode, que não tá certo eu ser assim. Mas eu tô certa, claro. Eu sou assim, ué. E claro que é bom que tem aquelas pessoas que nos defendem, que dão a cara pra bater, que dizem que o espaço é de todo mundo. Mas esse negócio não é fácil de fazer, esse negócio de botar a boca pra falar, pra se defender. Então tem essa tal de vergonha que deixa tudo escondido atrás daquilo que eu digo, ou escondido atrás do silêncio mesmo. Un dizem: tu precisa falar, contar sobre o que tu sofre, contar quem é que tá por trás desse mandolate que tu vende. Mas e eu preciso mesmo? E tem outra: e eu não tô de alguma forma contando? Fácil não é, vou te dizer, mas isso porque dentro dessa mulher velha, essa mulher falante que eu sou, ainda resta uma força difícil de vencer. E ela insiste contra mim, insiste como eu. Ela é o que eu queria apagar, mas não consigo. Daria pra […]

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