Folhetim

A vida e a vida de Áurea – Capítulo 3

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A vida e a vida de Áurea – Capítulo 3 Foto: Theo Tajes

Até o sócio remido pode perder a cadeira

No capítulo anterior: Áurea abdicou de sua paixão pelo Grêmio por amor ao marido. Durante anos, aceitou a flauta dele ora em silêncio, ora sorrindo amarelo – quando foi capaz. Até que, nas Bodas de Prata, ganhou de Larry, dentro de uma caixinha da H.Stern, uma carteirinha de sócia do Internacional na categoria Nada vai nos separar. Romantismo ou zoeira? Só o tempo dirá.

– Eu já aguentei tanta coisa. Imagina o Larry quando o Inter foi campeão do mundo.

– O Grêmio já não tinha sido?

– O Larry diz que não vale. Não foi campeão do mundo FIFA.

Wanda, a melhor amiga da Áurea, sabia: mensagem combinando uma cerveja no meio da tarde, em pleno dia de semana, era sinal de crise no casamento dos Soares Rios.

– Uma carteirinha de sócia do Inter nos 25 anos de casamento. Por muito menos tu mandou o Gilson longe.

– Muito menos, uma ova. O Gilson usava as minhas calcinhas.

– Ele achava excitante.

– E o elástico frouxo depois? A cintura dele era duas vezes a minha. Foram quatro anos de elástico frouxo, eu aguentei foi muito. Fora que sempre me pareceu um fetiche meio esquisito.

– Verdade. Pelo menos no fim de semana ele podia dar uma folga.

– Nada. Ele gostava de usar no futebol. 

– Chato.

– Bota chato nisso.

– E ganhar a carteirinha de sócia do Inter nas Bodas de Prata?

– Talvez não tenha sido ruindade. O Larry nunca teve muito bom gosto. Esqueceu o presente que ele deu no teu aniversário de 16 anos?

– Uma leiteira de alumínio do super Bonzão.

– Na promoção. E não tirou o preço.

No fundo, bem no fundo, a Wanda achava o Larry um porre, mas que outra opção ela tinha que não a de aceitar o mala que a amiga decidiu carregar vida afora? A Wanda tinha experiência em relacionamentos, diplomada que se dizia nos mais diversos tipos de homens, alguns que viraram companheiros, outros que foram dispensados na manhã seguinte. Pelo menos essa era a versão dela, e a Áurea acreditava. Se vivesse tomando pés na bunda, a Wanda não seria tão segura e afrontosa. A Wanda, que antes do Argentino Maxi Lopez jogar no Grêmio, em 2009, e trazer junto para Porto Alegre a modelo e esposa Wanda Nara, se chamava Eugênia. Mudou o nome no cartório, crente de que tinha nascido muito mais para Wanda do que para Eugênia. 

– Ele me convidou pra ir a Caxias no domingo. Sair cedinho, almoçar lá. Depois ver Juventude e Inter às quatro da tarde. 

– Se pelo menos ele for pela rota romântica…

– Eu não quero ver Juventude e Inter. São as minhas Bodas de Prata. Eu quero comemorar no Barranco.

– É justo. Manda ele ir sozinho e convida os meninos pra almoçar.

– O Paulinho vai pra Caxias de qualquer jeito. Dia de jogo, pra ele, é só FUCK.

– E tu diz isso com essa calma?

– É a torcida organizada, Força Unida Colorada Karaio.

– Deus ajude. E o Miro?

– Enrabichado com uma guria, duvido que queira sair com a mãe.

– Quer saber? Vamos nós duas. Tem parceria melhor pra festejar essas benditas bodas?

O Larry ficou sinceramente comovido quando soube que estava liberado para ir ao jogo no domingo das Bodas de Prata. Volta na segunda se tiver cerração, a Áurea disse, sabendo que sim, teria cerração. Porque é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha ou um rico passar pelo buraco de um camelo, algo assim, do que não ter neblina na descida da Serra.

Na cama, Larry ressonando baixinho – disso ela não podia reclamar, o Larry nunca roncou –, a Áurea imaginou um domingo perfeito. Depois do Barranco, quem sabe se a Wanda não toparia dar uma chegadinha no Olímpico? Ao mesmo tempo em que se arrepiou com a ideia, também pensou que não deveria ser assim. Que não deveria ter esperado 25 anos para fazer o que tinha vontade. E, principalmente, que não deveria estar tão feliz por passar as Bodas de Prata sem o marido.

Ela então lembrou de quando seu pai, Osvaldo, perdeu a cadeira perene de sócio do Olímpico porque esqueceu de pagar uma taxa de conservação mixuruca, um troco que foi se acumulando ao longo dos anos até virar uma dívida absurda. O pai entregou a cadeira e passou a assistir aos jogos nas arquibancadas da Social. De onde, segundo ele, se divertia muito mais.

O casamento não precisava ser uma cadeira perene. E, ainda que fosse, nada impedia que uma das partes rasgasse o contrato e fosse se acostar em outro lugar. 

Sonhando com uma goleada no domingo, o Larry jamais suspeitaria de que a sua titularidade estava em jogo.

No próximo capítulo: Bodas Azuis


Claudia Tajes é escritora e roteirista.

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