Folhetim

A vida e a vida de Áurea – Capítulo 4

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A vida e a vida de Áurea – Capítulo 4 Foto: Theo Tajes

Bodas Azuis

No capítulo anterior: Áurea dispensou o marido da comemoração das Bodas de Prata. Larry foi para Caxias ver Juventude x Inter e ela combinou de sair, sem lenço e sem documento, para almoçar no Barranco e depois dar uma passadinha no Olímpico com a amiga Wanda. Estava tudo certo, menos ela ter esperado 25 anos para fazer o que tinha vontade há muito tempo.

– Eu nunca me diverti tanto.

A Áurea desceu do táxi remoçada pelas rugas de um dia inteiro rindo. Ela nunca havia reparado que as rugas do dia a dia, aquelas que vêm dos problemas e das chatices de sempre, podem acrescentar uns vinte anos na cara. Já as rugas provocadas por uma boa risada pareciam diminuir a idade. 

Tinha sido um dia quente de fevereiro. Quando a Áurea e a Wanda chegaram no Barranco, pelas duas da tarde, trocaram a longa fila de espera por uma mesa na rua, junto com outros corajosos que desafiavam os quase trinta graus marcados no termômetro. As quatro – cinco? – caipirinhas que cada uma tomou, mais o tanto de gargalhadas que deram, esquentaram ainda mais o nariz, as orelhas e o coração delas.

Cumprindo o protocolo definido para a comemoração das Bodas de Prata, a Áurea e a Wanda foram até o estádio Olímpico, aberto para a visitação dos torcedores. O jogo tinha sido no sábado, a Áurea nem saberia dizer contra quem. Há muito que não acompanhava o time, nem sequer se importou com a segunda queda para a série B, em 2004. Se mostrasse o mais leve sinal de sofrimento, aí sim o Larry faria a festa. 

Caminhando pelo estádio, a Áurea lembrou das vezes em que assistiu aos jogos com o pai, Osvaldo. Se ela estava casada há 25 anos, fazia um quarto de século que não pisava ali, exatamente a metade de seus 50 anos. A Wanda percebeu a nostalgia da amiga e, ainda embalada pelas caipirinhas, arrastou a Áurea para a loja cheia de camisetas, bandeiras, flâmulas, canecas e todo o tipo de quinquilharia do Grêmio.

– Escolhe o que quiser. É o meu presente.

Ela não poderia chegar em casa com uma camiseta, o Larry ia infartar. Caneca, nem pensar. Se o marido a visse tomando o café da manhã em uma porcelana tricolor, perigava a úlcera dele, que andava quieta, precisar de uma overdose de Pepsamar. Entre tantas coisas que gostaria de comprar, pediu um lápis, que deixaria escondido na bolsa. Saiu feliz como quem levasse um uniforme completo.

Depois do Olímpico as duas foram passear em Ipanema, até as canelas molharam no Guaíba que já não recomendava um banho na infância da Áurea. 

– Tu acha que é rio ou lago?

– Não tinha um papo que era estuário?

– Não lembro direito o que é estuário.

– É quando deságua no mar. O Guaíba vai até Cidreira?

– Não faço ideia. Pra mim é rio Guaíba e pronto.

– Pra mim também. Gente chata, sempre complicando tudo.

Eram quase nove da noite quando a Áurea desceu do táxi, rindo sozinha, e entrou em casa antevendo uma noite totalmente dedicada à ela mesma, deitada no sofá da sala, a TV ligada no Fantástico. Tomara que tenha bastante reportagem de chorar, pensou. A Áurea adorava as matérias em que os repórteres faziam o entrevistado remoer suas maiores desgraças, a câmera fixa na cara do coitado até ele se debulhar em lágrimas.

– Parabéns a você, o seu dia chegou!

Era para ser uma surpresa, e foi. Depois do jogo em Caxias, o Larry e o Paulinho pesaram o pé para descer a Serra, ainda trazendo dois quilos de capeletti para fazer um sopão. O Miro não só estava presente como tinha vindo acompanhado da lambisgóia com quem andava saindo. Os meninos abraçaram e beijaram os pais, agradecidos pelo casamento que, em última instância, fez com que eles estivessem presentes à comemoração.

Agora, na sala, o marido e os filhos assistiam a um jogo qualquer que passava no SBT. A Áurea foi preparar a sopa ajudada pela lambisgóia, que se chamava Dete e até que era querida. Olhando os chapeuzinhos que subiam na panela de água fervente, a ela deixou escapar a frase que podia servir tanto para aquele dia, quanto para uma vida.

– Foi bom enquanto durou.

No próximo capítulo: Só as mães são felizes?


Claudia Tajes é escritora e roteirista.

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