Folhetim

Capítulo 4: Resistiré ao melhor pôr do sol da cidade, assim, emoldurado atrás das grades, quem sabe…

Change Size Text
Capítulo 4: Resistiré ao melhor pôr do sol da cidade, assim, emoldurado atrás das grades, quem sabe…

No meio da noite, em plena madrugada, Ella é acordada por uma enfermeira porque precisava trocar de quarto. Não estava entendendo nada, mas se submetia…  Ella sabia o segredo. Precisava conjugar o verbo submeter (se) pra sair daquele lugar rapidamente. Equação não muito fácil de resolver. Percebia que quase tudo ali parecia inexplicável e feito para deixar mais sem norte quem já não sabia o que era uma bússola fazia tempo. Aquele absurdo noturno era a comprovação maior.

A operação consistiu não só em trocar de leito, isso no meio do frio do inverno, mas em carregar também suas tralhas pessoais junto. Mesmo ajudada pelas enfermeiras, Ella passou uma trabalheira insana para chegar até o outro quarto, domada, derrubada que estava pelo remédio que assegurava uma certa paz, ao menos durante a noite, ao povo de branco que cuidava deles. 

Acomodada no quarto novo, percebeu que estava sem companhia, sozinha pela primeira vez desde que tinha atracado por ali. Bom, mas ruim. Uma mistura de tristeza e de saudade, falta das brabas mesmo, tomou conta da madrugada de Ella. Chorou pra dentro, doía tudo. Lembrou do sorriso largo e acolhedor do filho, do cachorro melhor amigo, da mãe ainda mais velhinha, precisando cada vez mais dos seus cuidados, dos irmãos e sobrinhos que pouco via depois que tinha começado a pandemia cruel, matadora e sem vacina por tanto tempo. Lembrou dos seus livros e discos de conversar com outras gentes, do companheiro por quem tinha sido atraiçoada até… 

Ella tinha pessoas dela e nela. Se dava conta ali, naquele quarto só dela agora, mas com a porta sempre escancarada para evitar qualquer tentativa de privacidade, de vida própria e criativa para ela e para todos os outros passageiros daquela nau de insensatos presa, ancorada, nas águas secas da sua cidade amada. Uma nau tão louca quanto Ismália, que pôs-se na torre a sonhar e, por isso, via lua no céu, via lua no mar, nutria a pretensiosa ilusão de que poderia ajudar a curar as feridas da alma dos que mantinha aprisionados por seu casco, separados, estrategicamente, para o bem de todos, dos que pertenciam à trupe da normalidade, que, bem de perto, diga-se de passagem…. Melhor não dizer, pois poderia perder ponto. Sabe-se lá quem olhava quem naquele cu de lugar.

[Continua...]

O acesso a esse conteúdo é exclusivo aos assinantes premium do Matinal. É nossa retribuição aos que nos ajudam a colocar em prática nossa missão: fazer jornalismo e contar as histórias de Porto Alegre e do RS.

 

 
 
 

 

 

 

 
 
 

 

 
conteúdo exclusivo
Revista
Parêntese


A revista digital Parêntese, produzida pela equipe do Matinal e por colaboradores, traz jornalismo e boas histórias em formato de fotos, ensaios, crônicas, entrevistas.

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

RELACIONADAS
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHEUM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHEUM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.