Folhetim

Inferninho – Capítulo 2: Kimbal

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Inferninho – Capítulo 2: Kimbal
O Kimbal era uma espécie de buraco negro dos cabarés. Uma região de espaço-tempo com um campo gravitacional tão intenso que sugava tudo o que passasse na sua calçada. Abria só às cinco da manhã e não tinha hora pra fechar. O sol já de salto alto na Farrapos e gente entrando sem o menor constrangimento. Gente e algumas aberrações também, tá ligado? Juro que vi uma vez, acho que era carnaval, uma centaura bem alterada, soltava as patas num dos seguranças. Já cruzei no banheiro (depois eu falo sobre o banheiro do Kimbal) com um cara que devia ter, sei lá, uns três metros de altura, ostentava um olho só, vermelho e arregalado, bem no meio da testa. Uma época o Tropeço dormia cedinho e ajustava o despertador para as quatro e meia, tomava um banho e se largava, “melhor chegar esperto na festa, mano, não é ou não é?”. Na entrada eles te revistavam. Pra quem não estivesse armado a casa oferecia uma adaga. “Oh, leva, por precaução”. Acolhedor, democrático e inclusivo. Um estabelecimento pobre friendly. O único puteiro que me lembro de ter visto uma rampinha de acesso e barras de apoio no banheiro (o famoso banheiro do Kimbal, já vou chegar). Uma verdadeira fauna frequentava o Kimbal. Tudo que é espécie se encontrava lá. Um biombo colocado estrategicamente na fresta da porta impedia de espiar como estava o movimento. “Vai entrá ou tá só de migué?”, indagava gentilmente Marreta, o porteiro, pisando no pé dos pescoço comprido. Colunas revestidas com espelho craquelado, um globo bem no centro da pista de dança, as mesas formando um semicírculo, um mezanino para o DJ e dois queijinhos equipados com barras de Pole Dance. Uma pequena escada que levava até a porta que dava nos quartos. No fundo, o bar. Atrás do bar, o banheiro. Ah! O banheiro do Kimbal. Era um único banheiro. Multissex. Muito concorrido. Uma luz roxa estroboscópica. A capacidade era pra umas, sei lá, quatro, cinco pessoas, tá ligado?, mas sempre tinha mais de dez. Às vezes a festa tava melhor no banheiro do que na pista. Tinha até uma garçonete, a Angel, que atendia somente os pedidos do banheiro. Rolava de vez em quando um show exclusivo só para aquele público. Muitos perderam o par, a vergonha na cara e a dignidade naquele pequeno espaço. Ah, se os azulejos do banheiro do Kimbal resolvessem falar, seria uma espécie de felação premiada. Mas o que tava me deixando intrigado, de verdade, além do fato de eu não ter a mínima ideia de como tínhamos parado ali, era que a casa estava vazia, sem ninguém, nem fila no banheiro tinha, só uma música abafada, muito estranho ver o Kimbal assim, tirando Tropeço, o barman e eu, mais nem uma alma. Nem o DJ, os seguranças, as gurias, a dona Regina da chapelaria, nada. Me aproximei do balcão e vi que o Tropeço falava com o barman em Libras. Sim, o Tropeço é especialista em línguas. Escritas, faladas, […]

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