Folhetim

Inferninho – Capítulo 3: Luz Negra

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Inferninho – Capítulo 3: Luz Negra

“Vermelho calcinha, somente nas unhas dos pés. Nas mãos, nude. Aquela cor de pele lambida, conhecem?” Ambos acenamos que sim com a cabeça, embora esteja certo de que o Tropeço não tenha ideia do que seja.  “Francesinha no dedo médio do pé direito e da mão esquerda. Dizia que era pra favorecer na hora da conexão Afrodite, vocês entendem, né?” Também gesticulei que sim, mas dessa vez fiquei boiando, pela cara do Tropeço parece que ele sabia o que era, tarado sem-vergonha. Alma seguiu com um sorrisinho no canto da boca. “Whisky e cigarro, antes e depois. Durante: halls preto, óleos aromáticos e preservativo sabor morango, era sua marca”. O careca balançava a cabeça em negação, prostrado. “Luz Negra foi o nome que adotou. Trabalho e prazer se misturavam feito um beijo grego, técnico, de língua. Neta de cafetina. Pai ignorado. Legítima filha da ponta”. Riu alto, um gole do seu Campari e prosseguiu. “Engraçado que uma vez ela me disse que pensava em deixar a vida, porém levava tanto jeito pra coisa que não enxerga alternativas mais decentes”. Ah, minha Luz…”, suspirou seu Manso. 

A essa altura o Tropeço já entredormia, atirado na cadeira. Senti que teria que ouvir sozinho Alma escavando o coração do Riquinho. Tá. Vamo lá. Escutar é um dos meus pontos fortes também. Me ajeitei pra mostrar interesse. Continuava som dó. “Amores, sim, alguns. Com horário agendado. Clientes, muitos. Todos sempre muito preocupados em gozar. Preocupados com o telefone celular, com o dinheiro, as esposas e os filhos. Nessa ordem, ela dizia. Foi uma única vez comigo ao cinema pornô. Sentiu asco. Preferia a Sex Shop ao Shopping Center. Tinha a agenda lotada até a próxima Copa”. Assumiu um tom mais grave, seriíssima. “Foi quando Henrique Manso a intimou a casar. Assim, no seco e no civil. Igreja evangélica, pastor e tudo mais”. “Que coragem”, eu disse. Riquinho me fulminou com os olhos por baixo da grossa armação. Alma acendeu uma cigarrilla que estava sobre a mesa e prosseguiu. “Foi um escândalo na época, sabe, Henrique Manso, o Riquinho, da família dos Milio, herdeiro de terceira geração, não resistiu à conexão dedos médios”.

“Acho que li alguma coisa nos jornais”, menti. O Tropeço já roncando. Alma ajeitou o rabinho de coelha, mais uma tragada e manteve. “Rico, para os amigos, Riquinho para os um pouco mais do que isso, comentavam que era levemente delicado, embora muito mais delicado do que leve, vistos seus cento e tantos quilos”. Apesar da massa corporal, seu Manso tinha mesmo uma fragilidade aparente, parecia prestes a se quebrar inteiro a qualquer momento. “Riquinho é um castelinho de cartas, sentenciavam os faladores nos cabarés”, disse Alma. “Ele é um comedor, no sentido alimentício da palavra, convicto e compulsivo, diziam às gargalhadas”. “Ela uma erva daninha. Trepadeira, falavam pelas costas”. Seu Manso resmunga “eu nem ligava, era feliz, feliz de verdade”. Enterra a cabeça entre os braços, soluçando. 

Perguntei se eles brigavam e depois me arrependi, temendo que se alongasse ainda mais na história. “O matrimônio ia muito bem, acompanhei tudo de pertinho”, garantiu Alma, dando detalhes, “tudo regado a destilados doze anos, tabaco importado e generosos banquetes oferecidos a convidados seletos”. Seu Manso se anima: “na época eu era abstêmio e fazia as honras da casa enquanto Luz cintilava entre os convivas, lindíssima, altiva… ah que mulher…” Chorou mais uma vez. Alma acariciou sua cabeça e continuou: “recordo ela trocando a piteira de tempos em tempos enquanto despia os homens com os olhos”. Disse isso com uma certa inveja ao acrescentar: “a experiência adquirida nos anos de “massagista” fez com que desenvolvesse uma técnica exclusiva pela qual conseguia dimensionar o tamanho do pênis somente pelo toque no lóbulo das orelhas. Em raríssimas exceções errou por meia cabeça, era incrível”. Alma percebeu que o Tropeço dormia pesado, colocou a mão no meu ombro e sussurrou: “eu estava lá no dia. Quando avistei Luz Negra se aproximando de Benjamin D´Otávio Alcântara de Mello Gutierrez y Orleans, da família dos Multi, vi a sorte do Riquinho escorrer por sua perna abaixo. Consegui entreouvir o diálogo”: 

– Olá, que coincidência você por aqui.

[Continua...]

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