Folhetim

Inferninho – Capítulo 5: Adegas, neve e os demônios

Change Size Text
Inferninho – Capítulo 5: Adegas, neve e os demônios
Saímos direto no camarote do Adegas, o Padre Roque e eu. Como se atravessássemos uma cortina de fumaça. Ainda não tava acreditando naquilo, era surreal. O Adegas não era bem um cabaré, não tinha quarto nem se pagava drink pras gurias, tava mais pra um inferninho-bar-raiz, tá ligado?, os que casavam na festa, e era difícil não se casar, saíam para amar nos motéis baratos ali do Centro Histórico. O camarote lotado, baldinhos transbordando de gelo e cerveja. O pessoal animadíssimo, olhinhos brilhando, nem perceberam quando uma das garrafas de Polar Litrão incandesceu e explodiu na parede lateral que derreteu para ingressarmos naquela conexão bizarra. Uma moça, digamos, desprovida de beleza, puxando uma perna, aproximou-se do rapaz, não menos prejudicado de aparência, que estava ao nosso lado, sisudo, chapéu de aba larga e bigode grosso, e carregava uma mala de garupa no ombro esquerdo: “O gatinho aceita uma cerveja?”. O gaudério respondeu com sotaque da fronteira: “Má, chê, se for me chamar de algum bicho que seja de cavalo, que é um animal muito mais vistoso”. A coisa ali era assim, sem muita frescura. Na pista, que simula um tabuleiro de damas, o pessoal dançava ao som do musical Terceira Dimensão: “Talvez esteja em Jaraguá / Joinville ou Blumenau / lá por Santa Catarina / ou talvez em Rio do Sul / Timbó ou Indaial / sei que é linda esta menina”. Essa eu não esqueço, guardei na memória.  Esbarrei numa espécie de gnomo de cabelos ruivos cacheados e enormes cílios postiços. “Desculpa, moça”. “Presta atenção, imbecil”. Disse isso e cuspiu uma bola de fogo. “Credo”. O Padre Roque sumiu no entrevero de gente, não o vi mais. Nem sinal da Malllvada. O Tropeço deve estar preso lá na dimensão do La Rosa com o Negão Auri, pelo menos sei que está seguro com um zagueirão na retaguarda, dando cobertura. Acontece que tinha uma coisa muito estranha ali no Adegas, mais estranha que atravessar por gargalos, muito mais do que uma mini-dragão irritadinha. As pessoas ali eram todas feias. As mesas na penumbra amenizam o terrível cenário. Abordei o garçom magrelo que mastigava um palitinho no canto da boca: “Cara, tá certo isso? Parece que abriram as portas do inferno, tá ligado?” Sem mexer com o palito, me olhou dos pés à cabeça com indiferença e respondeu: “É que hoje gente feia não paga”. E não escapava uma. Todas feias! Não feinhas, ou mal-ajeitadas. Feias tipo o rascunho do capeta. Provavelmente nascera ali a expressão inferninho. Aí que reparei nos homens. Péssimos. Grotescos. Assustadores. Quem faz uma promoção dessas? Bom, diz um ditado que sempre há um chinelo velho pra um pé torto. Ali os pares de fato se encontrariam. Já acordei em lugares (e companhias) talvez até extraterrenos, e jamais me vi em situação parecida. Todos feios! E o pior, não me senti desconfortável, pelo contrário, a sensação era de pertencimento, o que me deixou um pouco triste. “Garçom, uma dose pra mim, por favor, dupla, doze anos”.  Agora, […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

RELACIONADAS
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.