Folhetim

Inferninho – Capítulo 9: Tia Carmem

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Inferninho – Capítulo 9: Tia Carmem
Algumas das gurias voltaram ao camarim quando a viram entrar, sempre acompanhada de pelo menos três das suas sobrinhas. É que rolava um intercâmbio velado entre o Dominó e a Tia Carmem. O Tropeço me cutucou de cantinho “parça, pra se abalar lá da Olavo Bilac até aqui é porque a coisa tá sinistra, não é ou não é?”. Aquela figura no Dominó era tipo o cometa Halley, tá ligado, não lembro da última vez que vi a Tia Carmem fora da Tia Carmem. Achei-a mais envelhecida, os movimentos calculados, o rosto carregado na maquiagem, quase não mexia os lábios, mesmo dentro da casa, usava óculos com lentes escuras, fez um gesto e uma das sobrinhas pediu uma água tônica, estranhíssimo… Maitê foi direto cumprimentá-la e ficou no vácuo, simplesmente ignorada. Veio até mim num desconsolo “tu viu, Di, essa mulher tá se achando, afe”. O Negão Auri assinava uma camisa do Flamenguinho da Tuca pra um dos garçons. Foi só enxergar a Tia Carmem que mudou o semblante, empalideceu, desconversou o fã, deu umas voltinhas em torno de si mesmo, fugindo do contato visual, disfarçou, contornou a pista de dança e sumiu. A Malllvada assumia as pick-ups e já emendava uma a pedido das gurias, primeiro o som de um berrante toma conta da casa, gritos, aplausos e brindes, depois, a música explode numa espécie de batidão-eletrônico-sertanejo: “Se prepara …. / As boiadeira não dá pra encarar / As boiadeira não dá pra encarar / Bota, fivela e chapéu Karandá / Batom vermelho pros playba chorar”. Todas agora estão na pista, é como um ritual, tinha esquecido, é tradição no Dominó, tá ligado?, no início da festa as gurias e os garçons fazem uma performance, algum tipo de dança, às vezes uma coreografia, tudo muito cafona, mal-ajeitado e fora de ritmo, mas os clientes, quase sempre tão cafonas, mal-ajeitados e fora de ritmo quanto a apresentação ritualística que abre a noite no Dominó, esses adoram. Reconheci o Tropeço lá no meio tentando aprender os passinhos na hora, atrapalhava com uma desenvoltura muito característica. Sobe o refrão: “Meu beijo vai te viciar / Minha pegada vai fazer você gamar / Debaixo do meu chapéu não vai mais sair / Eu sou o combo perfeito pra iludir, yeah”. Mais gritos, abraços e assovios, meu amigo se aproxima esbaforido “mano, que pedrada é essa, quem é que canta essa música?”. Não tinha certeza, mas respondi o que me veio primeiro na mente, “Thaeme e Thiago, ué?!”. Nisso, uma das sobrinhas da Tia Carmem, lindíssima, andrógina, soprou no meu ouvido sem mexer os lábios, “a música se chama Pipoco, é da Ana Castela” e piscou um olho só, mantendo o outro fixo e arregalado. O Tropeço fez o sinal da cruz e saiu a procurar o Negão Auri. Eu devia ter desconfiado quando perguntei o seu signo e ela disse: trigêmeas. Na hora pensei humm, espirituosa, tá ligado? Ou pressentido logo depois que ao chegar o seu pedido um tanto, digamos, exótico, espremeu […]

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