Folhetim

Portas Porto Alegre 9: Precursorias – e uma outra mão cheia de dedos

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Portas Porto Alegre 9: Precursorias – e uma outra mão cheia de dedos
Os cinco dedos. Um, conhecer o aeroporto – e antes, no caminho, o zoo, aos seis anos de idade. Dois, ver o Colorado no Beira-Rio, aos oito – o goleiro Manga faz gol chutando pênalti – precedido do churrasco chique no Saci, “uau, guardanapo de pano!”. Três, ver o Papa – “teu presente de aniversário, Úrsula”, decidiu o pai sem convidar um dia antes de ela ser maior de idade.  Além dos três passeios de mão com a família, as outras duas viagens de Úrsula à capital dos gaúchos até ela passar na UFRGS foram mesmo excepcionais e certamente inimagináveis, não fosse a diretora do São Rafael. Quarto dedo: apresentar-se no IPA como integrante da equipe de ginástica rítmica do ginásio – estagiaram lá a professora ruiva mignon e seu marido gigante que desentalavam do SP2 com placa de Porto Alegre uma vez por semana pras aulas de educação física. Quinto: ouvir a Orquestra Sinfônica Brasileira sob a regência de Isaac Karabtchevsky no Gigantinho, em excursão organizada pela diretora do ginásio.  Precursoras do Grupo Corpo no Theatro São Pedro e dos ensaios abertos e concertos gratuitos da OSPA, essas duas viagens foram portas por onde ele entrou sem querer sair e pra onde ela voltou, depois de muitos quilos de sal à mesa da família, querendo ficar. Ao chegar a Porto Alegre com a outra mão cheia de dedos, Úrsula foi acrescentando linhas ao seu mapa da cidade. Adorava a loja de discos usados no viaduto da Borges, onde entrava a cada tanto de olho nos álbuns que não podia comprar mas que podia ouvir sem se constranger ao pedir, o moço da loja lhe oferecendo os fones de ouvido como prática do ofício. Abstraía as oleosidades alheias e projetava a coleção de LPs que faria com os desconhecidos, o espanto deixando rastros bem salientes dos muitos desfalques que formavam seu gosto. Passou a ouvir Clássicos Banrisul no três-em-um de luxo acomodado sobre o único móvel do jotacá. De segunda a sexta, às 21 horas, a Guaíba FM era seu portal pra compositores que nunca tinha ouvido.  Duzentos compositores depois, passou a zerar o volume enquanto o locutor apresentava a peça da noite, cronometrando 30 segundos entre a vinheta do programa e o primeiro acorde. Apurava o ouvido pras camadas de cordas e dos metais em andamento a tal ponto que em algum momento distinguia fagote de oboé e antecipava a entrada de graves e agudos na sequência de acordes.  Não foram poucas as vezes que antecipou o som que soaria no jotacá três por quatro onde morava. Não foram poucas as vezes que comprou o LP do concerto ouvido na noite anterior para prolongar a emoção que, ora veja, foi sempre outra – uma a mais – exatamente por descolar-se das camadas da escuta evocadas pela memória que queria preservada. Não foram poucas as vezes que experimentou no corpo em movimento o que a música lhe oferecia: dançando, fazia par com a beleza que era também a sua. Dançando, […]

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