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David Léo Bondar: traços de história com nanquim

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David Léo Bondar: traços de história com nanquim

Parceria entre Matinal e CAU/RS

Livro sobre obra do arquiteto de 87 anos será lançado na Feira do Livro

Aos 87 anos, o arquiteto, urbanista e professor David Léo Bondar não sabe lidar direito com computadores. Digitar sem limites no celular é uma tarefa difícil: a história dele é contada pelas falas que refletem a potência da memória e das ideias e pelos desenhos em nanquim que ilustram seus projetos.

Na Feira do Livro de 2022, será lançada uma obra com a história de uma parte da sua obra. Escrito por João Paulo Silveira Barbiero, o livro é focado nas residências para uma só família — e levam projetos como a casa de Maurício Sirotsky, em Atlântida — mas também passeia pelas edificações que construíram não só a sua história, mas o marco para a arquitetura gaúcha. Entre elas, o prédio do Confea (Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura) em Brasília e o ambulatório do Hospital Presidente Vargas, em Porto Alegre.

Bondar recebeu o Matinal Jornalismo na sua casa, em uma manhã, para uma conversa sobre a sua obra e sua visão da arquitetura e do ensino da profissão.

Professor, o livro que será lançado é sobre a sua carreira?

Esse livro é do João Paulo (Silveira Barbiero), um ex-aluno lá da Ritter. O trabalho de mestrado dele foi sobre a minha obra. Ele pegou as residências unifamiliares das décadas de 1960, 1970, pegou um trecho da minha carreira profissional, fez a tese sobre isso, depois editou um livro. Eu me formei em 1958. Ele fez uma série de entrevistas sobre o desenvolvimento da minha carreira, então, foi até os anos 1970, de 1980 em diante, não pegou nada. Também tenho um outro livro, caseiro, sobre desenhos de Punta del Este, que é onde eu vou durante o verão. Não tem nada de muito informativo [risos].

O livro é sobre residências unifamiliares, mas tem projetos aí como o que eu fiz em Brasília, do prédio do Conselho Federal de Engenharia, Agronomia e Arquitetura (Confea). Então, ele também publica algo sobre isso e sobre dois ou três prédios condominiais.

O senhor é de 1935. Como é a origem da sua família, como o senhor veio a este mundo?

Meus pais vieram da Romênia, em 1926, e eu nasci em Porto Alegre em 1935. Eles vieram já casados. A família da minha mãe, sete mulheres e dois homens. A minha mãe era Sofia, e o meu pai, José. Eu sempre gostei muito de desenhar. Quando tinha dez, 12 anos, tinha inclusive uma professora que me ensinava a desenhar. Na época em que eu estava me preparando para ingressar na faculdade, na prática, só tinha três cursos: Engenharia, Direito e Medicina. Não existia faculdade de arquitetura. Na época em que fiz o vestibular, nem conhecia direito a arquitetura — era o segundo ano da faculdade.

Qual ano foi isso?

A Faculdade de Arquitetura [da UFRGS] foi fundada em 1952, era 1953. Existiam os cursos de arquitetura na Engenharia e na Belas Artes. Tanto que, em um primeiro momento, eu cheguei a fazer um cursinho para entrar na faculdade de Belas Artes. Aí nisso eu conheci um arquiteto, Irineu, e tomei conhecimento da existência de uma faculdade de arquitetura. Comecei a me interessar. 

Voltando um pouquinho. O senhor é filho único?

Tenho três irmãs. A mais velha era a Sara, a ‘Sura’, que já faleceu. Depois, a Raquel e a Sílvia.

Judeus?

Sim.

Saíram da Romênia por quê?

Estava na época dos pogroms [movimentos de perseguição a judeus na Europa no início do século XX] e os judeus tinham que procurar, digamos, um lar. Alguns foram para a Argentina, outros para os Estados Unidos, e outros vieram para o Brasil. Um dos irmãos da minha mãe já tinha vindo para cá, com vinte e poucos anos de idade, por isso o restante da família também veio, para morar com o meu tio. Eram nove pessoas, com meu pai e a família da minha mãe. A família do meu pai ficou lá.

Se estabeleceram em qual lugar de Porto Alegre?

Quem pegou mais essa época foi a minha irmã [Raquel]. Meu pai era sapateiro, ficavam na Praça do Portão, onde é hoje a Salgado Filho. Era um porãozinho, um lugar pequeno. Eu praticamente nasci e me criei em outro lugar, na Voluntários da Pátria. Era na frente da estação ferroviária. A casa onde nós morávamos tinha um pátio que dava para onde foi construída, naquela época, a Avenida Farrapos. Morei ali até a época em que casei. Era uma casa alugada, meu pai tinha um negócio ali, uma loja de sapatos, de todos os tipos de roupas, miudezas, coisas assim. Morávamos em cima, a loja embaixo, um prédio antigo. Depois, foi demolido para construir a elevada. Eu assisti à construção da Farrapos.

Estamos em uma época em que Porto Alegre está começando a se desenvolver como cidade, ter planos de obras públicas e etc.

Tanto é que [o prédio] da própria faculdade de Arquitetura foi construído enquanto eu cursava a faculdade. Antes, ficava na Engenharia, ali na frente da praça Argentina, com umas salas cedidas. Começaram o movimento para construir o prédio da faculdade, que é o que existe hoje. Em 1957, quando construíram o prédio novo, eu já estava no quarto ano. 

Nessa época, houve uma espécie de efervescência da arquitetura em Porto Alegre.

Como não existia a faculdade de arquitetura, quem fazia os projetos eram principalmente os engenheiros. Nessa época, começaram a surgir prédios mais altos, que antes eram restritos ao Centro. Fora do Centro, praticamente eram só residências, existiam poucas construções com mais de três pavimentos. Isso foi mais ou menos na década de 1950.

Agora, naquela época, Porto Alegre era uma maravilha. Para você ter uma ideia, na questão de segurança pública, o que existia em termos de assalto e violência eram os batedores de carteira, que andavam nos bondes. Tinha uma área de prostituição na frente de onde eu morava, na frente da Viação Férrea. E eu conhecia muitos batedores de carteira por que, quando eles roubavam, eles iam lá na loja do meu pai, para comprar sapato, roupa íntima, então, todos os conheciam. Era uma zona só relativamente violenta à noite, porque tinha os bares frequentados pelas prostitutas e os “guardas” da zona, o pessoal bebia, então, dava muita briga à noite. Na terceira loja ao lado da do meu pai, tinha um bar que entrava na Voluntários e saía na Farrapos, era um triângulo. Esse bar era muito movimentado. 

Quando eu tinha 14, 15 anos, chegava de madrugada, a porta era metálica, de enrolar, e eu precisava abrir a porta da loja para entrar na minha casa. Então, tinha um pessoal que ficava ali andando em volta, mas nunca teve nenhum problema. Tinha roubos, eventualmente, dos caras entravam, mas não eram assaltos com grandes consequências. Hoje todo mundo tem que estar gradeado. E agora, o Bolsonaro ainda manda os caras se armarem, para se matar, mesmo. Eu saía do Centro e ia para casa caminhando. Não tinha movimento.

Quando o senhor começa a trabalhar na arquitetura?

Praticamente no terceiro ano, nós tínhamos colegas que depois se tornaram amigos, uma amizade que dura até hoje. Todas as semanas estamos reunidos. Nem éramos das mesmas turmas. Eram mais ou menos cinco arquitetos: o Arnaldo Knijnik, o Iveton Porto Torres, o José Carlos Pereira da Rosa, que já faleceu, o Luiz Carlos da Silva e eu. É praticamente uma irmandade: à medida que a gente foi casando, continuamos tendo as famílias próximas, e é como se todo mundo fosse tio [risos].

Existiam muito poucos arquitetos que eram profissionais na área, mas já íamos tentar trabalhar com eles. Fazíamos desenhos para eles. Quando estávamos no terceiro para o quarto ano, alugamos uma sala, em sete colegas, e fizemos trabalho para os arquitetos. Dois saíram depois, Arnaldo Zubaran e o Coruchin.  O Iveton foi para São Borja, não ficamos mais em sociedade, mas tínhamos trabalhos em comum.

Quando começamos, como estudantes, tínhamos sala no edifício Amazonas, naquela rua em frente ao Edifício Vera Cruz. A Andrade Neves. Depois que nos formamos, fomos para o Paineira, na Siqueira Campos. Aí alugamos uma sala grande em um edifício da Otávio Rocha, quase esquina com Vigário José Inácio. Saímos dali, fomos de dois em dois para o mesmo edifício na Andrade Neves. O edifício do IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) foi construído e todo mundo foi para lá. Mas a gente passou todo tempo assim, sempre juntos.

Aí você começou a trabalhar na diretoria de urbanismo da Secretaria de Obras Públicas do Rio Grande do Sul, é isso?

Era bastante comum, né? Os arquitetos das primeiras turmas foram trabalhar no setor público. Eu fui trabalhar no setor público em 1960, o Iveton me levou para lá. Ele foi trabalhar na secretaria de urbanismo. Fui trabalhar na Secretaria de Urbanismo junto com o Zubaran. Fiz alguns projetos e, em geral, os projetos que eu lembro que mais foram construídos foram em Canela. Nós fazíamos projetos de praças, por exemplo, com bancas de turismo. 

Trabalhei lá até 1964. Fiz alguns projetos, mas a maior parte não foi construído. Era muito comum isso. 

Mas por que travavam esses projetos?

Era muito comum os prefeitos pedirem os projetos para a Secretaria de Urbanismo para querer se reeleger. Encomendava um projeto maravilhoso, a gente fazia com perspectiva bonita e tal e eles botaram na prefeitura para expor. Mas não tinham dinheiro para nada, né? Era de graça pedir o projeto. Questão política. A maior parte era um sonho, mesmo, não tinha materialidade para fazer aquilo. Eu lembro até de ter feito um projeto bacana para Campo Bom, íamos visitar os locais, faziam churrascos, nosso chefe gostava de comer no interior [risos], tinha uma festa. Mas isso é folclotre.

Em 1964 o senhor sai do setor público por uma questão política? Tem relação com o golpe?

Não. Poderia ter sido, porque eu era atuante, eu fazia parte do Partido Comunista, que era ilegal. Mas foi porque eu pedi para sair. Eu tinha me enchido dessa história de fazer projetos que não eram realizados. Não me satisfazia. Saí do serviço público e passei a trabalhar como autônomo.

Mas o projeto do ambulatório Presidente Vargas é de quando?

Eu acho que é de 1967, por aí. Mas isso foi porque o Iveton era o chefe do setor de engenharia do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social). Ele contratava alguns arquitetos para fazer o projeto, então eu peguei o projeto desse ambulatório. Normalmente, eles faziam internamente, mesmo, mas não tinham estrutura para fazer projetos maiores. Eu tive uma felicidade, porque era muito comum que tanto as pessoas quanto os projetos viessem prontos do Rio de Janeiro, e aí executavam aqui de qualquer jeiuto. O Iveton tinha essa consciência da importância da participação do arquiteto na obra, porque não era comum o arquiteto fazer o projeto, era o desenho. Tem um artigo meu escrito sobre isso, porque eu tenho uma tese a respeito.

No Sul 21, em 2017?

Não, é um que vai sair no livro do centenário do IAB. [O nome do artigo é “Mais de trinta anos de lutas para a conquista do Conselho próprio”]. Escrevi sobre a questão do projeto em arquitetura. Ele é todo o processo de concepção e materialização. Para fazer um projeto de qualquer espaço que é habitado, se precisa pensar nele, conceber ele, mas dentro de um critério de materialidade viável. Por isso tem que se fazer o projeto da estrutura, usar elementos, como iluminação, hidráulica…mas infelizmente, até hoje, muitos arquitetos ainda não têm essa noção. O projeto é entendido só como aquele desenho que a gente faz, o que tu concebeu. Mas é uma parte do projeto, que será concluído quando estiver materializado.

Então, como os engenheiros, eles ainda faziam arquitetura porque não existia arquiteto. Em termos de mercado [antigamente] tu tinha 100 engenheiros para cada arquiteto. Como um arquiteto não pode fazer cem trabalhos, cem engenheiros podem, né? Então, só se fazia a concepção, a materialização era com a engenharia.

Eu tive a sorte de ter feito o projeto do ambulatório e não ter simplesmente entregado o papel para eles fazerem o resultado. Ficaria completamente diferente daquele em que se concebe e acompanha a materialização. Como os caras tinham essa noção, me contrataram para ser o fiscal da obra. Eu passei a ser a pessoa que acompanhava a execução, o que é o fundamental para um projeto se concluir. Aí, felizmente, foi concluído na sua integralidade. Mas não é o comum: há contrato, projeto, o cara desenha, entrega e depois outros vão lá e concluem.

Como o senhor vê o ambulatório do Hospital Presidente Vargas hoje? O senhor tem ido lá?

Não, no interior eu não conheço mais. Infelizmente, é aquilo que acontece na grande maioria das obras públicas: as obras se concluem e pronto, terminou. Terminou? Não existe uma atualização, manutenção. As verbas são feitas só para concluir a obra. A manutenção terminou, não existe mais. 

Toda obra tinha que ter um acompanhamento, uma verba destinada para manter. Os prédios públicos, em geral, não têm manutenção. Por isso, vão se deteriorando, como dá para ver externamente no ambulatório. Não sei como está a parte interna, mas externamente, fica claro. Esse é um problema de todas as nossas obras. Quando a gente fala da importância de manter os prédios atualizados, como a própria prefeitura está fazendo [no Paço Municipal], 

Voltando para o Confea, que o senhor citaste. É um projeto seu, que o senhor ganhou um concurso, saiu no jornal O Globo…

O IAB, instituto de arquitetos, tem por norma — e hoje tem até uma lei dizendo isso, mas não obedece muito — que todo prédio público tem que ter concurso público. Mas naquela época os concursos eram muito raros. Como se tratava de uma área em que os arquitetos participavam, já que o Confea é o conselho federal de engenharia, arquitetura e agronomia, tinha conselheiros arquitetos, muitas obras foram feitas com concursos públicos. Hoje isso está se tornando mais frequente, começa a haver uma participação muito melhor.

Aqui no Sul, a arquitetura estava muito pouco desenvolvida. Tínhamos São Paulo e Rio de Janeiro, onde era o forte, mas não havia muitos profissionais formados no Rio Grande do Sul. O projeto era muito concorrido, pois era Brasília, né? Arquitetos de renome faziam parte do júri, e na ocasião eu ganhei. 

Depois, tive que batalhar com o conselho. A regulamentação na área de arquitetura era péssima. Hoje, nós temos o CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo), que é de arquitetos apenas, mas naquela época era feito por engenheiros que, em geral, não sabiam o que era arquitetura. Achavam que não precisava cobrar honorários, por exemplo. Que arquiteto “não vale grande coisa”. Felizmente, por se tratar do Confea, foi uma obra que eu acompanhei também, o que não era comum.

Essa obra do Confea, na sua opinião, é a sua obra prima?

Não digo que seja “obra prima”, mas é uma obra importante. 

Qual escolheria como a sua obra prima, a que lhe dá mais orgulho?

Aí tem muitas. Tem poucas que eu não gosto. Mas eu considero, de todas as obras que eu fiz, o Palácio de Versalhes é muito conceituado [nota: Palácio de Versalhes é um edifício residencial na Rua Santo Inácio, bairro Moinhos de Vento]. Tenho dois projetos que também são de concurso, em Passo Fundo, andaram caindo umas coisas lá: o Ginásio Teixeirinha é projeto meu, também um concurso nacional. E o prédio da Caixa Econômica Federal. 

Essa casa aqui [residência Marco Aurélio Rosa, capa do livro] também é muito conceituada, muito interessante. Mas tem um monte de casas que eu acho muito boas. Eu diria que claro, o Confea foi feito em Brasília, em termos de concorrência, não deixa de ter um mérito muito especial, mas eu tenho muiuta satisfação de ter feito várias obras, inclusive algumas que não foram concluídas. 

Depois desse período de concursos, obras públicas, o senhor se torna mais um arquiteto de residências, correto?

Teve muitos edifícios que eu fiz em Porto Alegre também. Aqui eu tenho alguns edifícios que eu fiz, mas são “prediozinhos” sem maior significado. Tem, por exemplo, um edificiozinho pequeno, que fica ali na Mariante, que saiu publicado no livro do [Ivan] Mizoguchi. Agora ele está todo estuporado, mas fica ali na elevada da Silva Só. A gente comprava um terreno e fazia. Mas alguns são bem interessantes.

Quando pesquiso pelo seu nome, o senhor aparece como referência do brutalismo. Como explicamos o brutalismo para pessoas leigas?

Eu diria que essa terminologia surgiu muito mais das obras de arquitetos paulistas. É da época do Vilanova Artigas, construções em que o concreto aparente é o que mais predomina, daí que surgiu essa terminologia do brutalismo. Essa casa aqui [volta a citar a residência de Marco Aurélio Rosa] poderia ser classificada como brutalista, porque tem um predomínio de concreto aparente. Mas aqui, no Rio Grande do Sul, eu não vejo tantas obras que podem se encaixar nessa terminologia.

Tanto nas minhas obras como nas da maioria dos arquitetos aqui do sul há uma influência muito maior da arquitetura uruguaia e argentina, em relação às que estão no norte do Brasil. Até porque nós temos muito mais proximidade com eles, pelo clima. Muitas das obras que eu fiz tinham essa preocupação da utilização do concreto aparente. 

Até hoje, eu tenho executado algumas obras de concreto. Porém, a não ser que tu uses como o Niemeyer, que era um formalista, o concreto te dá formas não usuais. Ele é a constituição da casa e de alguns prédios. Hoje, com os computadores, ele te dá essas condições de produzir obras como as do Calatrava, com muito mais possibilidades do que a gente tinha. A estrutura, para nós, era muito mais rígida: tínhamos que fazer as formas, arredondadas, e depois encher.

Eu não domino absolutamente nada do que diz respeito dos computadores. Não me meto nessas novidades formais.

O senhor é do tempo do croqui.

Sim, e do nanquim, claro. De levantar a parede, botar no prumo…não dá para inventar muita forma estruturalmente. Hoje já dá. Tinha que fazer aquilo que fazia, por exemplo, um arquiteto que para mim é completo, o Lelé, João Filgueiras Lima. Ele faz muitas obras com água. Agora, ele faz com coisas metálicas, como o prédio do Sarah [Hospital Sarah Kubitschek]. Ele foi discípulo do Niemeyer, em parte. Mas ele é um arquiteto completo. Ele trabalhava em indústrias de obras, tem umas obras muito bacanas na Bahia.

O senhor começa a trabalhar como professor quando?

Eu nunca me interessei muito pela área acadêmica. Nunca fui muito dado a rigidez de horários e coisas assim. Sempre fui um arquiteto intuitivo. Mas eu comecei a ser professor no meu escritório. Tinha muitos estagiários, acabava sendo meio que um professor para eles. Quando saí da Secretaria de Obras Públicas, lembro que um deles foi trabalhar no meu escritório, o Franciscone, hoje grande arquiteto da área de urbanismo.

Nesse meio tempo, eu já havia sido convidado para trabalhar. Primeiro, aqui na UFRGS, em 1969, quando botaram para rua vários professores cassados. Eu achava um absurdo esse negócio. Me convidaram para ficar no lugar de um dos cassados, eu não aceitei. Depois, quando reabriram a faculdade de arquitetura de Brasília, o Miguel Pereira, um dos artífices dessa reabertura, me convidou para ir para lá. Ele era muito batalhador. Naquela ocasião, ele levou cinco arquitetos aqui de Porto Alegre. Eu não topei, a Menita não queria, estávamos com os filhos pequenos. 

Depois, me convidaram para trabalhar na Ulbra, quando a Ulbra começou, e também não me interessou. Porém, casualmente, nessa época, o Cairo abriu a Ritter. Ele fez uma proposta de tornar o ensino de arquitetura não mais por acadêmicos, e sim de profissionais que ensinassem arquitetura. A proposta era essa. Me convidou junto com uma série de profissionais que eram amigos meus, do IAB, do sindicato. Aí me interessou. Mas eu não queria largar o escritório, então aceitei por poucas horas. 

Comecei isso no final de 1979, a partir de setembro. Aos poucos, comecei a largar o escritório e me dedicar ao ensino. Acabei ficando 32 anos. Encerrar as atividades, eu nunca encerrei, mas as atividades de autônomo acabaram ficando mais escassas. Até 2010, quando me “botaram para a rua”. Eles tinham uma regra que, depois dos 70 anos, tinha que parar. Eu fiquei até os 73 lecionando.

O senhor sente falta disso?

Não. Eu nunca parei de fazer arquitetura, sempre inventei um concurso para fazer. O que eu mais gosto de fazer é exatamente a concepção. Isso eu nunca deixei. Até hoje, nós temos uma turma que anda fazendo esses concursos. Teve agora o EconoCidade, de Porto Alegre, que eu fiz com uma turma, o João Paulo, o Maturino Luz, que é um baita profissional, trabalha com reciclagem de arquitetura.

Como o senhor vê o ensino de arquitetura hoje?

Eu considero a questão do EAD uma ameaça, por exemplo. Do jeito que os caras estão querendo. Agora, eu sempre acho que tem coisas que não dependem do que a gente pensa ou quer. Quando começou a surgir o computador, eu era um que abominava a possibilidade de o cara fazer projeto com computador. Na verdade, abominava é um exagero [risos]. Mas eu sempre entendi que evolução, ninguém segura.

Nós estamos em um período de transição, porque a arquitetura vai deixar de ser como ela era. Não tem mais como a gente pensar que o cara vai fazer projeto arriscando como eu arriscava. Eu vou continuar desenhando, mas vai mudar esse negócio.

O que acontece é que, em uma transição, se faz muita bobagem, porque a transição também é evolutiva, as coisas evoluem. Vai mudar a forma que vai acontecer. Vejo os meus netos: quase todos são médicos. Eu tenho um contato muito grande com o Felipe Postal, ex-aluno meu, trabalha comigo e estamos fazendo um edifício. Ele controla tudo lá. Mas tenho uma dificuldade de comunicação com ele: ele só se comunica escrevendo, e eu não consigo fazer ele telefonar [risos]. Eles estão falando comigo e com outro, com outro…eu não consigo, nunca vou conseguir. Mas isso não significa que as coisas não vão ser assim. Não adianta, não vai ser como eu aprendi.

O cara tem que conseguir distinguir para que as coisas sejam mais humanas. Não se pode perder a humanidade. Tem que poder interpretar essas coisas e fazer com que elas sirvam para o melhor. Depois que eu vejo que tem um cara como o Bolsonaro, que tem gente que acredita nele, eu penso que a humanidade está regredindo, alguma coisa está acontecendo…mas é o período de adaptação, as coisas estão mudando muito rapidamente.

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