Forma e Função

Alberto Brizolara: um arquiteto inovador e sem fronteiras

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Alberto Brizolara: um arquiteto inovador e sem fronteiras Alberto Brizolara ao lado da filha arquiteta Milagros recebendo o prêmio de Arquiteto do Ano, em 2017 (Fotos: Arquivo pessoal)
Parceria entre Matinal e CAU/RS

Um dos maiores especialistas em estruturas de tijolo armado conta a sua história e mostra estar em permanente inovação

Em dezembro de 2017, Alberto Ovidio Brizolara Corrales recebeu a homenagem especial do prêmio Arquiteto e Urbanista do ano, concedido pelo SAERGS (Sindicato de Arquitetos do Estado do Rio Grande do Sul). Quarenta e nove anos antes, ele havia embarcado para a França para estudar uma pós-graduação em novas tecnologias de construção, conhecimento que estendeu em uma viagem à Espanha. As inovações aprendidas por ele podem ser vistas em centenas de obras, que vão desde a Paróquia da Agronômica, em Florianópolis (SC), até a Rodoviária de Santana do Livramento, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul.

As cinco décadas de distância entre o início do aprendizado em novas tecnologias e o dia de hoje, quando Brizolara se encontra em um escritório ao lado da Igreja de Rivera, jamais acomodaram a sua mente inquieta, hoje aos 86 anos. As estruturas de concreto armado que produzem abóbadas, coberturas, residências e prédios inteiros seguem sendo elaboradas das mais diversas formas, desde projetos de habitação popular até vinícolas no interior do Uruguai. O urbanista, em breve, lançará um livro sobre estruturas e coberturas em tijolo armado, em que presta homenagem a um dos seus maiores inspiradores, a quem tem como gênio: Eladio Dieste, um dos autores do prédio da Ceasa, em Porto Alegre, considerado um dos mais avançados da arquitetura no Rio Grande do Sul.

Rodoviária de Livramento

Se o senhor fosse explicar para alguém leigo quem é Alberto Brizolara, como explicaria?

Eu sou arquiteto e urbanista, mas no urbanismo só se trabalha nos centros oficiais. A minha especialidade, a minha diferenciação, para poder me identificar um pouco mais, é que sou um especialista em coberturas e estruturas de tijolo armado, ou cerâmica armada. Se o senhor vai para Porto Alegre, conhece a Ceasa. Isso não foi feito por mim, mas fiz várias coisas não só em Porto Alegre, mas também em outras cidades, como Florianópolis. É diferente, não é comum. 

Agora estou aposentado, mas continuo trabalhando. Eu sou também especialista em novas tecnologias de construção. 

O senhor falou do projeto da Ceasa, correto?

Sim, mas não foi meu, foi de arquitetos do Rio Grande do Sul (Carlos Maximiliano Fayet, Cláudio Luiz Araújo e Carlos Eduardo Comas). Quem fez a parte construtiva das abóbadas foi o criador do tijolo armado, que eu chamo um gênio, Eladio Dieste. Eu terminei de fazer um livro (ainda não foi lançado), de mais de 600 páginas, com todos os sistemas construtivos de abóbadas, de cúpulas, de tijolo armado, para que se possa dar aulas. No primeiro capítulo, eu chamo ele de gênio. Eladio Dieste, uruguaio, foi o criador da ideia de fazer coberturas com tijolo armado, que depois se levantou um campo inteiro de estudos sobre isso. Eu virei um aluno dele. Depois, criei um novo sistema, totalmente novo, partindo da ideia dele.

Qual a diferença entre os sistemas construtivos criados por você e por ele?

Ele usava forma. Por exemplo, uma abóbada. Fazia uma abóbada de madeira de 5 metros de comprimento, enchia de tijolo, baixava a forma e seguia para frente e fazia de novo a abóbada, avançando. Sempre as calhas ficavam escoradas. Eram imensos arcos de quase 40 metros de altura.  A forma parecia de um barco.

Rodoviária de Livramento

Eu achei que, para povoados menores, ou países com menos dinheiro, o investimento inicial era muito grande. Eu fiz com pré-moldados de cimento e tijolo, arcos que apoiavam esses pré-moldados, avançava para outros e ia fazendo os arcos. No livro está explicado o sistema dele, tudo que ele usou para isso, além de outros sistemas, não só os meus, mas também o que tem se usado recentemente, na Espanha, em São Paulo. Por exemplo, o arquiteto Solano Benítez, no Paraguai. Ou mesmo o Dalmacia, uruguaio. Isso tudo está no livro. São sistemas feitos com barro, palha de trigo, a palha do trigo que fica, o barro, o tijolo secado ao sol, são feitos para fazer abóbadas de cúpulas. 

O senhor começou a trabalhar com arquitetura quando ?

Eu me formei na faculdade de Montevidéu no ano de 1965, no século passado (risos). Depois, em 1968, por aí, ganhei um concurso para estudar na França sobre novas tecnologias de construção. Aí eu fiquei fazendo uma pós-graduação de quatro anos. Estudei um pouco na Espanha, também, mais ou menos quatro anos. Depois fui contratado pela UFRGS, no fim do ano de 1972, para formar e dar aula na pós-graduação em construção. Nessa época, no fim de 1972, no Brasil existia só pós-graduação em estruturas, e não em construção. A primeira foi feita naquele ano.

Igreja Nossa Senhora de Lourdes, em Florianópolis

Então o senhor foi um pioneiro para ensinar os arquitetos a trabalhar com tijolo e concreto armado?

Sim, é isso aí.

O senhor já tinha projetos relacionados a essas novas estruturas, que eram diferentes de tudo que era construído no RS. Quais projetos o senhor tinha?

Sim, sem dúvida. Eu me formei em 1965. Tinha feito alguma coisa aqui no Uruguai (Brizolara mora em Rivera), embora seja binacional, sou uruguaio e brasileiro, tenho título de arquitetura também no Brasil. Eu nasci na fronteira. Dois anos antes de ir para a Europa, fiz como obras principais a rodoviária de Livramento, a igreja da Nossa Senhora do Rosário em Livramento e a Igreja do Sagrado Coração em Rivera. Essas obras foram feitas com tijolo armado.

Qual a diferença em trabalhar com tijolo armado naquela época em relação a todos os métodos de construção?

É espetacular. Há mais de cem anos se utiliza, mas tem evoluído para melhorar. Tem aparecido com cimento de mais alta qualidade, mais resistência, o que permite obras espetaculares. A variação é sempre uma evolução. Não se pode dizer que houve um salto, um degrau, de uma obra para outra. À medida que as pessoas foram descobrindo como fazer cimento, se observou como ter resistência mais rapidamente, que é o que a construção sempre procura, com mais rapidez. Antes a gente tinha que tirar as formas em 28 dias, hoje se tira em sete, oito dias. As possibilidades de velocidade na construção aumentaram muito.

Se o senhor fosse descrever seus principais projetos, quais seriam? A sua obra prima?

Eu acho que a minha obra prima é a Igreja Nossa Senhora de Lourdes, em Florianópolis (conhecida como Paróquia da Agronômica). Eu normalmente tenho trabalhado com o pessoal que diz que tem pouco dinheiro. “É uma coleta aqui, dentro da Paróquia”, etc. Fiz assim no Rio Branco, no Uruguai, no assentamento São Leopoldo, em Livramento. A gente nem cobra, eu faço porque gosto, e para mim é uma honra. Mas quando a gente tem um pouco mais de dinheiro, fica mais acabado, mais cuidado, termina sendo uma obra de arte. Essa eu acho que eu gostei mais. E tem outra que é interessante, porque é a rodoviária de Santana do Livramento. Tem os arcos pelo meio, tem uma cúpula, é diferente.

No interior do Paraná, eu tenho ensinado as pessoas a fazer, o pessoal aprende, gosta, se entusiasma. Vou para lá quando dá, ensino a fazer, e as obras ficam maravilhosas, feitas por quem está lá. É uma coisa simples, humilde, e eles se entusiasmam.

Quanto tempo o senhor lecionou na UFRGS?

Faltou seis meses para completar 20 anos.

E como foi essa experiência de dar aulas por lá?

Detalhe da Igreja Nossa Senhora de Lurdes, em Florianópolis

Fantástica, porque realmente a gente, na pós-graduação, teve que criar um programa da disciplina. Se chamava tecnologias novas de construção, em dois semestres, e nada disso existia na época. As novidades e a construção de ponta, o que era mais avançado, nós tínhamos que ensinar na pós-graduação. Foi muito lindo. Hoje eu tenho 86 anos, já faz um tempo que não leciono. Mas as pessoas seguiram dando aulas com o mesmo alinhamento que eu deixei lá. Depois, eu orientava teses de mestrado, essas coisas. Foi uma experiência fantástica.

Por que o senhor parou?

Todas as coisas têm um ciclo na vida. Eu sou uma pessoa de cabeça muito inquieta. Eu queria ter mais experiência com construção, mais liberdade nesse assunto. Decidi sair para trabalhar mais livre. Rompi um ciclo. Quando estive na UFRGS, tinha um centro de pesquisa, que existe até hoje, um núcleo orientado para inovação na edificação. Esse centro, que é um “laboratório”, continua fazendo umas pesquisas fantásticas sobre concreto, sobre todo esse tipo de coisa. Isso fica andando. Já ganhou até prêmios de pesquisa. O caminho ficou feito, se a gente ficar, acaba até atrapalhando a história.

E você, depois que parou, foi fazer o quê?

Eu vim para o Uruguai. Meus pais eram vivos, ainda, era mais perto da minha família. Vim fazer obras, fiz uma série delas. Fiz, mais ou menos, 150 obras na minha vida. Como a construção é uma coisa prática, a gente consegue criar novos sistemas construtivos praticando, fazendo obras. As abóbadas, as cúpulas, por exemplo, eu criei sistemas que patenteei, estou fazendo atualmente, negociando. Se eu ficasse sempre no mesmo lugar, sentia que iria envelhecer. É claro que o corpo se desgasta, mas a cabeça não se desgasta. 

Agora, por exemplo, estou negociando para fazer sistemas construtivos para habitação popular, com economia. Isso é muito bom, porque a vida pede que a cabeça fique sempre em movimento. 

Como são esses sistemas construtivos de habitação popular? É a prefeitura que contrata? 

Estamos negociando. Tem empresas que fazem paredes com painéis pequenos, colocados manualmente, porque a habitação popular não se faz só em grandes cidades, é necessário também fazer no interior. Esses painéis manuais de concreto leve são feitos com bolinhas de isopor. Tiravam, do sistema que eu fazia de pré-moldados com tijolo armado, estamos tentando fazer um tipo de habitação com montagem manual, de montagem rápida, mas com pré-moldados leves para a cobertura das casas. Os telhados das casas seriam com painéis de concreto leve. É parecido com algumas casas que já fiz, como na pequena cidade de Rio Branco, que fica ao lado de Jaguarão.

No Paraná, tenho feito muitos graneleiros. Na época dos militares no Brasil, eu trabalhei muito. Existia um ministro (da Agricultura), Delfim Netto, que deu para os plantadores de soja, quando começou o boom da soja, dinheiro para fazer graneleiros e sementeiras, que têm que ser herméticas, horizontais e botar ar condicionado, porque o grão tem que durar de um ano para o outro, para tirar as melhores sementes para a safra. Com pré-moldados de concreto de uma fábrica que tinha em Porto Alegre, fiz mais ou menos uns 20 graneleiros, projetei, calculei, e inspecionei as obras. São abóbadas, só que de concreto. Era um sistema que ninguém fazia. A cabeça tem que funcionar para resolver tudo, do sistema que for, como for. De acordo com as necessidades.

Essas habitações populares são feitas para quais cidades?

Bom, aqui no Uruguai, são para muitas, quase todas aquelas do interior, como por exemplo Paysandú. Isso depende dos negócios que as prefeituras fazem. No Brasil, o sistema de financiamento das casas é diferente. No Uruguai não existe a Caixa Econômica Federal, feita para isso, como antigamente existia o BNH (Banco Nacional de Habitação). Aqui, precisa ter um provedor, uma empresa, que queira investir nesse tema, ou se faz para um banco (no Uruguai, os projetos de habitação popular são desenvolvidos por cooperativas, que contratam os profissionais para a obra e buscam as verbas no sistema financeiro).

Também são pedidas algumas abóbadas para ginásios com 40 metros de vão. A Prefeitura de Salto quer fazer, estamos negociando. A vida é uma coisa dinâmica. Eu ainda não fiz essas negociações com as prefeituras do interior do Rio Grande do Sul. Agora, tenho uma filha que é arquiteta, está começando a dominar esse tipo de coisa.

Qual o nome dela?

Se chama Milagros.

Está sendo feito também um projeto de uma vinícola, Bodegas del Sur. Como funciona?

Ah, sim, é uma vinícola. Foi criada para ser diferente.

Projeto da vinícola Bodegas del Sur

Está em execução?

Uma parte foi feita. Parou porque decidiram fazer até uma parte (risos). Também tem que lutar com isso: eu não sou apadrinhado por governos. É particular, e essas regiões em geral são pobres, não são grandes capitais como São Paulo, por exemplo. Eu fiz muita coisa em Santa Catarina: Canasvieiras, Jurerê.. Uma coisa que eu sempre gostei é que não tivesse fronteiras.

Esses trabalhos em Santa Catarina, como o senhor chegou lá?

Ah, o pessoal gostava, diziam uns para os outros, os profissionais da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), alguns ex-alunos… Eu morava em Porto Alegre, por mais de 20 anos, pegava o avião pela manhã, voltava às 17h. A gente se faz conhecer pelas obras, como elas ficam. É assim. Os ex-alunos passavam as notícias para outras pessoas. Lembro que uma vez eu estava veraneando com a minha família em Rainha do Mar. Me apareceu um casal, um senhor e uma senhora, que viram uma casa feita com abóbadas, procuraram, averiguaram quem tinha feito, insistiram… Até que um dia descobriram onde eu estava. Foram lá e fizeram uma casa em Panambi. Para ver como as coisas são assim. Eu dou graças a Deus por isso.

Como é essa questão de trabalhar em dois países?

Precisa, legalmente, da autorização. É preciso estar inscrito no órgão que controla, o CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo). Eu fiz uma revalidação, fiz as matérias necessárias. Era professor e estava dando exame para revalidar diploma na UFRGS (risos). Depois, tem que conhecer. Cada cidade tem suas próprias regras de construção e de urbanismo. É engraçado, porque aqui no Uruguai as cidades são todas parecidas, mas todas têm regulamentos diferenciados, e no Rio Grande do Sul, é a mesma coisa. Poderia ser igual! Mas não, é diferente.

O senhor acha que conhecer a cultura desses dois países acrescentou para o seu conhecimento?

Muitíssimo. Até a mão de obra é diferente. Eu ensinei, por exemplo, aqui em Livramento, uma série de operários a fazer cúpulas sem formas. Eles vão fazendo, colando os tijolos. Hoje em dia, eles vêm as cúpulas e me dão um abraço, como se eu fosse uma personalidade (risos). É a alegria de ter aprendido comigo.

O senhor continua trabalhando, aos 86 anos de idade?

Sim. Sempre cuidei muito a saúde, fui regrado nas comidas… Mas sem ser um monge. Não, não. Se não me dá alegria, não faço. No meio de tudo isso, sempre com alegria.

Como é a sua família?

Eu casei, depois de quase 20 anos me divorciei, tive três filhos. Depois de vários anos, voltei a casar, com uma senhora que era viúva (Maria), que é com quem estou casado há mais de 30 anos. Ela tinha três filhos. A arquiteta (Milagros) era bem pequenininha. Quando ela nasceu, o pai havia morrido há 20 dias, ela não conheceu o pai. Ela tinha quatro anos quando eu casei com a mãe dela. Eu sou o pai deles. Se diz que eu não sou, eles brigam (risos). Eu acho que Deus sempre me protegeu. Sou um cidadão do mundo, morei na França, na Espanha, em Porto Alegre, em Montevidéu… Tenho um filho que é médico, tem 55 anos, mora nos Estados Unidos, é especialista em coração. Tenho um filho que mora em Curitiba, é advogado, tenho uma arquiteta que mora aqui na fronteira comigo e uma engenheira química, que mora em Brasília. Outro mora em Montevidéu. Todos casados, tenho netos. E todos estão bem, estudaram, lutaram. Eu estou contente com a vida.

Se o senhor pudesse dar um recado para os jovens profissionais que estão começando agora, o que diria?

Para qualquer profissional, especialmente de arquitetura e engenharia, ser correto e honesto é o primeiro a fazer. Em termos de profissão, que sempre estejam criando. Que sempre tragam novidades, estejam na ponta do avanço da profissão. Não fiquem tranquilos, sentados, vendo passar o mundo e pensando “já ganhei dinheiro, já passou”. Não: sempre transformando, sempre criando. O mundo tem que ser assim, e é assim. Não tenham preguiça mental. Nas profissões, todos os dias tem que estar avançando. 

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