Forma e Função

Especialistas debatem os efeitos dos arranha-céus como alternativa de adensamento urbano

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Especialistas debatem os efeitos dos arranha-céus como alternativa de adensamento urbano Jardim Europa (Foto: Luís Felipe dos Santos)
Parceria entre Matinal e CAU/RS

Demandada por construtoras, a construção de novos prédios sem limite de altura precisa considerar o tecido urbano e a redução do fluxo de automóveis

Quanto mais alto é um prédio, mais gente cabe nele? Não necessariamente. A liberação dos índices construtivos e das alturas de edificações são demandas de incorporadoras e construtoras para aumentar a oferta. A pauta também é defendida por gestores públicos para diminuir o déficit habitacional. Mas nem sempre a construção de arranha-céus é a solução para ampliar a densidade urbana. Por outro lado, há quem defenda que é possível que os espigões conversem com o ambiente.

Em Porto Alegre, o debate se intensificou com a autorização para a construção do prédio mais alto da cidade na rua Sete de Abril, no bairro Floresta. O empreendimento de Bewiki terá 117 metros de altura, enquanto o edifício Santa Cruz, que é atualmente o maior arranha-céu da cidade, tem cerca de 100. O projeto só é possível graças à lei aprovada neste ano que retirou as limitações de altura para as chamadas “áreas de densificação”, ou seja, aquelas que foram determinadas pela prefeitura como locais que precisam da circulação de mais pessoas. No Plano Diretor original, a altura máxima de edificação prevista naquela área era de 42 metros.

O arquiteto Luiz Henrique Bueno Villanova, mestre em arquitetura e urbanismo e especialista em prédios altos, observa que o índice construtivo do Santa Cruz, erguido na década de 1950, é maior do que o permitido pelas atuais legislações. “Tem 32 andares, 107 metros, não se vê recuo. É inteiro no terreno. Possui um potencial construtivo de 20 vezes o terreno. Esse novo (Bewiki, na Rua Sete de Abril), que obedeceu as regras atuais, tem índice 3, apesar de ser mais alto”, compara. “Esse índice poderia aumentar, tranquilamente”.

Villanova pondera que Porto Alegre tem um subaproveitamento dos índices construtivos, e por isso os limites de altura têm de ser debatidos – desde que devidamente inseridos na cidade. “O principal é a questão contextual, como o edifício conversa com a cidade. Somos críticos, mas Porto Alegre tem 250 anos. Londres tem 2 mil anos de idade e nunca se construiu tantos edifícios em altura como hoje em dia, e todos eles têm a premissa de conversar com a cidade e suas construções históricas. Não estão descaracterizando o meio urbano”, afirma.

De fato, em 2015, o então prefeito de Londres Boris Johnson – que depois foi premiê do Reino Unido – aprovou um zoneamento de edificações que permitiu construções de prédios mais altos em locais específicos, como os bairros centrais e comerciais da capital britânica. Desde então, foram erguidos seis prédios acima de 200 metros de altura: o Twentytwo Bishopsgate, de 278; o Landmark Pinnacle, de 233; o Newfoundland, de 220; o Southquay Plaza, de 215 metros; o One Park Drive, de 205; e o 8 Bishopsgate, de 200. 

A decisão de Johnson não aconteceu sem controvérsias. Além das reclamações da Câmara de Vereadores local – para a qual o então prefeito negou a instalação de uma comissão para rever as novas edificações –, arquitetos da cidade criticaram a falta de coerência dos projetos. “A densificação não é necessariamente ruim, mas precisa de uma especificação em design e planejamento que não está sendo oferecida”, disse, em 2016, o crítico de arquitetura do jornal The Observer, Rowan Moore.

O próximo caminho para a densificação da cidade é explorar a margem do rio Tâmisa. Com base em ideias inspiradas em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e no Catar, as novas administrações estão desenvolvendo projetos que aumentam em 30% a altura média do local, e que foram objeto de crítica do próprio Moore em dezembro deste ano. Ao citar o prédio 72 Upper Ground, Moore disse: “A proposta parece aleatória, sem um plano ou lógica particular além do desejo de colocar o maior volume lucrativo possível naquele local. Nisso, o projeto não está sozinho: é um exemplo extremo do que está acontecendo em outros locais”, disse.

Quem paga

Júlio Celso Vargas, professor de arquitetura e urbanismo da UFRGS e especializado no tema, observa que a construção de edifícios em altura exige uma lógica sustentável para que as pessoas mais pobres não paguem pelos prédios mais ricos. Cita, por exemplo, a construção de prédios novos nas áreas centrais da capital gaúcha. “Estão acontecendo obras no Bom Fim de melhoramento da rede de água. Todo mundo paga por um aumento da capacidade da infraestrutura que vai ser capturada por dois ou três grandes projetos”, observa. Para isso, a melhoria no ambiente da cidade é necessária – mas essa não tem sido a prioridade.

“As estruturas dos bairros começam a ser erodidas. Constroem torres com cerca, garagens, que não são o padrão tipológico das zonas centrais – normalmente, áreas compactas, feitas para concentrar pessoas, porque tem tudo perto. Não é uma lógica de ‘vamos ver o que botar naquela região”. Vem tudo pronto. O discurso está a favor de uma tese boa, mas que serve basicamente para favorecer interesses para construir mais em menos terreno, e otimizar o lucro”, observa Vargas.

Para Vilanova, porém, desmistificar os edifícios em altura é importante para que as cidades se desenvolvam. “A Torre Eiffel, quando foi construída, também foi controversa. Mas o que existe é um grande pré-conceito sobre edificação em altura. O importante é como ela conversa com a cidade: às vezes se faz um espigão, em um lote, isolado, sem conversar com o ambiente, muito devido aos recuos exigidos na legislação brasileira. Um arranha-céu pode preservar as características culturais da cidade e atender o ambiente local”.

Transporte público e aproveitamento de estrutura

Para Vargas, a majoração dos índices é inútil se vier acompanhada de uma lógica que prioriza o automóvel em vez da conexão com o tecido urbano. Ele cita como exemplo negativo o bairro Jardim Europa, em Porto Alegre. “Não é questão de degradar (a cidade), mas de não contribuir. Troca por uma coisa fria, distante e baseada no carro. Se isso vai se acumulando, destruindo os tecidos antigos, a gente tem o que tem no Jardim Europa. Cada quadra é um condomínio, e aquilo é uma paisagem de ninguém. Uma terra vazia. Mas o parque (Germânia) é bombado? Sim, porque a galera da Zona Norte ocupa. Aí tem cercamento, botam segurança privada, fecha em determinado horário”, pondera.

Em um trabalho sobre a relação entre adensamento urbano e a qualidade ambiental da cidade de São Paulo, publicado em 2018, a professora Denise Duarte, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo analisou a chamada “verticalização dispersa” da maior metrópole da América do Sul. Ao observar a quantidade de novos prédios altos construídos com foco nos automóveis, Duarte lembrou que os edifícios e quadras destinadas a uma única função são operantes apenas em horário comercial, o que provoca o subaproveitamento da estrutura urbana.

Em um cenário de mudanças climáticas e diminuição de recursos naturais do mundo, Duarte propõe uma nova lógica de adensamento urbano, por meio da reabilitação e da ocupação das edificações subutilizadas nas áreas centrais. A ideia estaria associada a uma melhora na qualidade e na infraestrutura do transporte público.

“Aproveitar o estoque construído, eventualmente com mudança de uso, com novos usos e desenhos, é uma ideia praticamente consensual em arquitetura e urbanismo. Aproximar moradia e trabalho, evitar que as pessoas viajem horas para ficar próximas das suas famílias. Claro que, às vezes, esses locais estão defasados. Um edifício de escritório dos anos 1970, sem ser reabilitado, não atende às necessidades atuais. Mas, quanto mais a gente aproveita, menos novas construções precisaremos fazer, disponibilizando novos espaços em áreas que já são servidas de infraestrutura”, afirma Duarte.

Nesse sentido, a grande preocupação de Duarte sobre a verticalização urbana está nos projetos focados para automóveis. Ela cita que, em São Paulo, alguns prédios recém construídos chegam a ter sete subsolos, com várias vagas de garagem por apartamento – o que causa congestionamentos, dificulta a infraestrutura urbana e prejudica até mesmo o microclima dos ambientes.

“Esse controle do estacionamento é fundamental. Em muitas cidades no mundo, até nos Estados Unidos, se faz uma limitação de locais de estacionamento. Aqui em São Paulo, houve um incentivo para construção de apartamentos pequenos e limitação do número de garagens, com uma vaga por apartamento, não mais que isso. Se tem transporte público em um eixo de estruturação urbana, é o suficiente. É um local para quem circula de transporte público. Muitas pessoas fizeram a opção de retorno ao centro para isso”, afirma a professora.

“Tem que coibir o tráfego de veículos individuais. Tem que botar freio, tornar o carro menos onipotente. Tirar da cabeça das pessoas a ideia de pegar o carro e ir para qualquer lugar a qualquer momento. No Brasil nós estamos em um estágio primitivo, rudimentar, onde ainda vigora o ‘no parking, no business’ (sem estacionamento, sem negócio). Na Alemanha, sede de várias montadoras, as pessoas de classe média têm um carro só e olhe lá. É toda uma lógica comportamental da qual nós estamos muito longe, porque quem manda na cidade é uma parcela pequena da população que não quer mudar suas prioridades”, afirma o professor Júlio Celso Vargas.

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