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Francisco Marshall: Panegírico para Carlos Roberto Cirne Lima

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Francisco Marshall: Panegírico para Carlos Roberto Cirne Lima Em 1979, iniciou-se um novo ciclo no IFCH, com o retorno e recontratação pela UFRGS do professor Carlos Roberto Cirne Lima, que havia sido cassado pelo AI-5 em 31/08/1969, e viveu no exílio acadêmico por 10 anos. Foi exílio sui generis, pois então o filósofo tomou seu diploma de Administrador de empresas, obtido em Viena, limpou de seu CV referências à Filosofia, e logo prosperou como executivo de alto nível; ele tinha experiência prévia, em missões internacionais ousadas, seu ganha-pão durante o período de docência em Viena, de 1962 a 1965. Em 19 de novembro de 1965, o ex-jesuíta convertido à Filosofia desembarcou no porto de Santos com uma bela biblioteca e sua jóia rara e flor máxima, a artista Maria Tomaselli, com quem casou ainda na Áustria, em 1965. Após a cassação, moraram em Frankfurt, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Olinda e, afinal, Porto Alegre. Assim que anistiado, Cirne Lima recebeu carta convite do Reitor da UFRGS, prof. Homero Só Jobim, e largou a próspera carreira de executivo para assumir o posto de seu destino, a cátedra de Filosofia.  Naquele momento, o Curso de Filosofia tinha um perfil fortemente humanístico, com muitos professores brilhantes, como o magnânimo prof. Luís Alberto de Boni, em filosofia medieval, e, além de Cirne Lima, um célebre tradutor e comentarista de Heidegger, Ernildo Stein. Os carros destes dois alinhavam-se no estacionamento, sob os jacarandás. O Opala Diplomata 4.100 de Stein era notável por seu porta-malas, onde ficava uma parte da biblioteca do mestre, dezenas de livros, alguns ensacados, outros soltos pelo baú, manuseados a cada aula. Este era um recurso impossível para Cirne Lima, que chegava em um Puma GT branco, em cujo porta-malas mal cabe um pen-drive. E na época nem havia isto, mas já havia o disquete de 5 e 1/4, com a sensacional capacidade de 720 Kb. Cirne chegava levando consigo o equipamento mais impressionante da academia, ele mesmo, sua cultura e sagacidade, e com este recurso proferia aulas de qualidade rapsódica.  Professor Cirne Lima Eis as palavras de minha amiga e contemporânea no curso de História (barra 84) Claudia Presotto, em postagem alusiva ao passamento do mestre, no Facebook: Professor maravilhoso, daquele tipo que generosamente deixa os alunos assistirem o seu processo de reflexão… ainda lembro a sensação de flutuar em certos momentos de suas aulas Tempos depois, já no PPG Filosofia da PUCRS, que Cirne Lima ajudou a estruturar, Eduardo Luft experimentou o mesmo assombro: Cirne Lima tinha um estilo próprio de aula: não se debruçava em análises tediosas dos textos dos filósofos, em repetições ruminativas, embora às vezes necessárias, do sabido. Preferia atacar o assunto de frente, expor à crítica suas ideias, construí-las diante de nós, esperando o diálogo franco e direto. Uma primeira parte da aula de exposição, uma segunda parte mais dedicada à troca de ideias. Assim eram aquelas aulas, admiráveis, em que o professor Cirne Lima deslindava e desdobrava as ideias com ciência melhor do que a maiêutica socrática. Ele estruturava todo o campo […]

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Em 1979, iniciou-se um novo ciclo no IFCH, com o retorno e recontratação pela UFRGS do professor Carlos Roberto Cirne Lima, que havia sido cassado pelo AI-5 em 31/08/1969, e viveu no exílio acadêmico por 10 anos. Foi exílio sui generis, pois então o filósofo tomou seu diploma de Administrador de empresas, obtido em Viena, limpou de seu CV referências à Filosofia, e logo prosperou como executivo de alto nível; ele tinha experiência prévia, em missões internacionais ousadas, seu ganha-pão durante o período de docência em Viena, de 1962 a 1965. Em 19 de novembro de 1965, o ex-jesuíta convertido à Filosofia desembarcou no porto de Santos com uma bela biblioteca e sua jóia rara e flor máxima, a artista Maria Tomaselli, com quem casou ainda na Áustria, em 1965. Após a cassação, moraram em Frankfurt, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Olinda e, afinal, Porto Alegre. Assim que anistiado, Cirne Lima recebeu carta convite do Reitor da UFRGS, prof. Homero Só Jobim, e largou a próspera carreira de executivo para assumir o posto de seu destino, a cátedra de Filosofia.  Naquele momento, o Curso de Filosofia tinha um perfil fortemente humanístico, com muitos professores brilhantes, como o magnânimo prof. Luís Alberto de Boni, em filosofia medieval, e, além de Cirne Lima, um célebre tradutor e comentarista de Heidegger, Ernildo Stein. Os carros destes dois alinhavam-se no estacionamento, sob os jacarandás. O Opala Diplomata 4.100 de Stein era notável por seu porta-malas, onde ficava uma parte da biblioteca do mestre, dezenas de livros, alguns ensacados, outros soltos pelo baú, manuseados a cada aula. Este era um recurso impossível para Cirne Lima, que chegava em um Puma GT branco, em cujo porta-malas mal cabe um pen-drive. E na época nem havia isto, mas já havia o disquete de 5 e 1/4, com a sensacional capacidade de 720 Kb. Cirne chegava levando consigo o equipamento mais impressionante da academia, ele mesmo, sua cultura e sagacidade, e com este recurso proferia aulas de qualidade rapsódica.  Professor Cirne Lima Eis as palavras de minha amiga e contemporânea no curso de História (barra 84) Claudia Presotto, em postagem alusiva ao passamento do mestre, no Facebook: Professor maravilhoso, daquele tipo que generosamente deixa os alunos assistirem o seu processo de reflexão… ainda lembro a sensação de flutuar em certos momentos de suas aulas Tempos depois, já no PPG Filosofia da PUCRS, que Cirne Lima ajudou a estruturar, Eduardo Luft experimentou o mesmo assombro: Cirne Lima tinha um estilo próprio de aula: não se debruçava em análises tediosas dos textos dos filósofos, em repetições ruminativas, embora às vezes necessárias, do sabido. Preferia atacar o assunto de frente, expor à crítica suas ideias, construí-las diante de nós, esperando o diálogo franco e direto. Uma primeira parte da aula de exposição, uma segunda parte mais dedicada à troca de ideias. Assim eram aquelas aulas, admiráveis, em que o professor Cirne Lima deslindava e desdobrava as ideias com ciência melhor do que a maiêutica socrática. Ele estruturava todo o campo […]

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