Ensaio | Parêntese

Jackson Raymundo: Do que o nosso samba está falando

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Jackson Raymundo: Do que o nosso samba está falando O carnaval de Porto Alegre consolidou ao longo do último meio século uma tradição momesca que conseguiu unir o modelo tornado nacional – a partir do Rio de Janeiro – a fortes vínculos comunitários, étnicos e artísticos com a cidade, suas histórias, sua cultura. A “brasilidade” inspirada pelas escolas de samba cariocas ganhou o tempero gaúcho e, particularmente, porto-alegrense. O amálgama com a cidade e seu povo fez com que as escolas de samba resistissem aos preconceitos sociais e raciais, aos modismos e ao descaso de governantes com a cultura popular.  Os últimos anos foram turbulentos no Brasil, e o carnaval foi um dos primeiros a pagar o pato, tendo sido, possivelmente, quem primeiro tenha enfrentado a onda fundamentalista. O cancelamento do apoio ao público ao carnaval por prefeitos, sob o discurso de tirar da cultura popular para investir em saúde, segurança ou abrigos para cães, longe de representar uma política de austeridade fiscal em momentos de crise, na maioria das vezes estava mais para jogo demagógico destinado a uma plateia refratária à diversidade cultural que sempre caracterizou o país, que se incomoda com a alegria alheia e que não tem a cultura como um direito – ou que não enxerga as escolas de samba como manifestação cultural. Em Porto Alegre, se o apoio público já era precário e o sambódromo do Porto Seco nunca foi finalizado até hoje, o cenário após 2016 aprofundou as dificuldades econômicas. Os desfiles foram empurrados para o período da Quaresma, chegando ao ponto de em 2018 o carnaval das escolas de samba nem ser realizado.  Dito isso, é importante ressaltar que os entraves dos últimos anos de modo algum apagam a riqueza das escolas de samba de Porto Alegre, de sua história e seu legado artístico, literário, cultural. Em dissertação de mestrado na Pós-Graduação em Letras na UFRGS, em que pesquisei a poética do samba-enredo de Porto Alegre de 1978 a 2014, pude perceber tanto a forte presença de elementos que remontam à “brasilidade”, com diversos enredos abordando o país de modo panorâmico, em “aquarela”, quanto uma profusão de homenagens a personagens e a lugares da cidade. As temáticas do negro e da religiosidade de matriz africana também têm bastante recorrência num carnaval em que o negro é o protagonista. Além disso, alguns ciclos podem ser percebidos, como entre a virada da década de 1970 e o início dos anos 80, período derradeiro da ditadura militar, em que os sambas sobre o próprio carnaval predominam, e outro na segunda metade da década de 80 caracterizado por muita crítica política e irreverência – o que se combina, aliás, com o que ocorria no carnaval do Rio de Janeiro naqueles anos de abertura democrática.  E para 2020, o que esperar do carnaval de escolas de samba de Porto Alegre?  Novamente se realizando após o feriado de carnaval, desta vez nos dias 6 e 7 de março, o Porto Seco verá desfilar 11 agremiações na primeira noite e 13 na segunda. Divididas em 3 grupos – séries […]

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O carnaval de Porto Alegre consolidou ao longo do último meio século uma tradição momesca que conseguiu unir o modelo tornado nacional – a partir do Rio de Janeiro – a fortes vínculos comunitários, étnicos e artísticos com a cidade, suas histórias, sua cultura. A “brasilidade” inspirada pelas escolas de samba cariocas ganhou o tempero gaúcho e, particularmente, porto-alegrense. O amálgama com a cidade e seu povo fez com que as escolas de samba resistissem aos preconceitos sociais e raciais, aos modismos e ao descaso de governantes com a cultura popular.  Os últimos anos foram turbulentos no Brasil, e o carnaval foi um dos primeiros a pagar o pato, tendo sido, possivelmente, quem primeiro tenha enfrentado a onda fundamentalista. O cancelamento do apoio ao público ao carnaval por prefeitos, sob o discurso de tirar da cultura popular para investir em saúde, segurança ou abrigos para cães, longe de representar uma política de austeridade fiscal em momentos de crise, na maioria das vezes estava mais para jogo demagógico destinado a uma plateia refratária à diversidade cultural que sempre caracterizou o país, que se incomoda com a alegria alheia e que não tem a cultura como um direito – ou que não enxerga as escolas de samba como manifestação cultural. Em Porto Alegre, se o apoio público já era precário e o sambódromo do Porto Seco nunca foi finalizado até hoje, o cenário após 2016 aprofundou as dificuldades econômicas. Os desfiles foram empurrados para o período da Quaresma, chegando ao ponto de em 2018 o carnaval das escolas de samba nem ser realizado.  Dito isso, é importante ressaltar que os entraves dos últimos anos de modo algum apagam a riqueza das escolas de samba de Porto Alegre, de sua história e seu legado artístico, literário, cultural. Em dissertação de mestrado na Pós-Graduação em Letras na UFRGS, em que pesquisei a poética do samba-enredo de Porto Alegre de 1978 a 2014, pude perceber tanto a forte presença de elementos que remontam à “brasilidade”, com diversos enredos abordando o país de modo panorâmico, em “aquarela”, quanto uma profusão de homenagens a personagens e a lugares da cidade. As temáticas do negro e da religiosidade de matriz africana também têm bastante recorrência num carnaval em que o negro é o protagonista. Além disso, alguns ciclos podem ser percebidos, como entre a virada da década de 1970 e o início dos anos 80, período derradeiro da ditadura militar, em que os sambas sobre o próprio carnaval predominam, e outro na segunda metade da década de 80 caracterizado por muita crítica política e irreverência – o que se combina, aliás, com o que ocorria no carnaval do Rio de Janeiro naqueles anos de abertura democrática.  E para 2020, o que esperar do carnaval de escolas de samba de Porto Alegre?  Novamente se realizando após o feriado de carnaval, desta vez nos dias 6 e 7 de março, o Porto Seco verá desfilar 11 agremiações na primeira noite e 13 na segunda. Divididas em 3 grupos – séries […]

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