Nossos Mortos | Parêntese

Jandiro Koch: Acho que o que eu tenho a dizer é isso: Antônio Bivar

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Jandiro Koch: Acho que o que eu tenho a dizer é isso: Antônio Bivar Em 2019, ele lançou Perseverança (2019), livro de memórias. Em 2020, a Ceifadeira levou Antônio Bivar (1939-2020), que acabara de provar que, se o Alzheimer não abduz, a vida de escritor é longeva. Não precisaria eu estar explicando que o velho importa, se não estivéssemos em um ponto esdrúxulo da história. Naufragaram os discursos de valorização da melhor idade, terceira idade, velhice. Morreu com Covid? Acima de sessenta? Tava na hora. Era velho. Bem menos que seis décadas para as mulheres, vítimas primeiras do ageísmo. Já posso dizer que ele tinha 81? Phoda, não? Bivar é bem-quisto em diversos nichos. Dez das suas peças teatrais vieram a público: Cordélia Brasil (1967), Abre a janela e deixa entrar o ar puro e o sol da manhã (1968), O cão siamês ou Alzira Porra-Louca (1969) – rebatizada como Alzira Power -, Longe daqui, aqui mesmo (1971), Gente fina é outra coisa (1976), entre outras. Três permanecem inéditas. Dramaturgo com um pé no teatro do absurdo, questionador do cânone. Isso na mesma época em que o idiossincrático gaúcho Qorpo Santo (1829-1883), sobre quem escrevi para a Parêntese 32, foi encenado e aplaudido como vanguardista do gênero. Fizeram sucesso. Bivar levou o Prêmio Molière. Debochada e pop, a linguagem do dramaturgo talvez tenha a ver com a imersão no movimento punk. Do mergulho de cabeça, o famoso ensaio O que é o punk? (1982). A aproximação aconteceu em São Paulo. O escritor, antes hippie, teria se dado conta de que os punks eram mais realistas, enquanto os hippies, em boa parte, pertenceriam à classe média privilegiada, turma com a qual deixou de se identificar. Algo raiz, no entanto, parece ter ficado. Morreu pobre, vivia de um salário mínimo e com o que ganhava de trabalhos esporádicos na imprensa. Dizia ser suficiente. Multifacetado, publicou Chic-a-boom (1991), um romance; Yolanda (2004), a biografia de Yolanda Penteado (1903-1983); Contos atrevidos (2009), coletânea de contos; e cinco autobiografias do tipo mistura-tudo-e-fica-bom. Na área musical, dirigiu nomes hoje consagrados como Maria Bethânia, no Drama, luz da noite, em 1973; e Rita Lee, no show Tutti-fruti, em 1975. Atuou e traduziu. Pau para toda a obra que, se fez gambiarra, não se vê. A biobibliografia está na internet, nos volumes de memórias. Não está um e-mail que me remeteu. Descobri que ele tinha estado com a escritora Cassandra Rios (1932-2002) para uma entrevista para a revista Nova, da Editora Abril. Interessado nela, indaguei sobre o encontro. Em 12/12/2013, a reposta:  Jandiro, demorei a responder por estar envolvido em tantas coisas.Sim, tive dias de contato com Cassandra. Na época ela me contavacoisas tipo Jorge Amado a admirava muito; Maria Bethânia numa faseantes da fama foi leitora assídua e, acho, em 1980 Cassandra levou depresente toda a nova edição de seus romances para Bethania, que davashow em S. Paulo; Cassandra corrigia os originais de A. Carraro [Adelaide Carraro]; Oapartamento de Cassandra na Rua Cesário Mota, na Vila Buarque, tinha asparedes todas protegidas por forro de cortiça, para abafar,acusticamente; Ela namorava, vivia, com uma moça simpática, mais nova,mas não lembro […]

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Em 2019, ele lançou Perseverança (2019), livro de memórias. Em 2020, a Ceifadeira levou Antônio Bivar (1939-2020), que acabara de provar que, se o Alzheimer não abduz, a vida de escritor é longeva. Não precisaria eu estar explicando que o velho importa, se não estivéssemos em um ponto esdrúxulo da história. Naufragaram os discursos de valorização da melhor idade, terceira idade, velhice. Morreu com Covid? Acima de sessenta? Tava na hora. Era velho. Bem menos que seis décadas para as mulheres, vítimas primeiras do ageísmo. Já posso dizer que ele tinha 81? Phoda, não? Bivar é bem-quisto em diversos nichos. Dez das suas peças teatrais vieram a público: Cordélia Brasil (1967), Abre a janela e deixa entrar o ar puro e o sol da manhã (1968), O cão siamês ou Alzira Porra-Louca (1969) – rebatizada como Alzira Power -, Longe daqui, aqui mesmo (1971), Gente fina é outra coisa (1976), entre outras. Três permanecem inéditas. Dramaturgo com um pé no teatro do absurdo, questionador do cânone. Isso na mesma época em que o idiossincrático gaúcho Qorpo Santo (1829-1883), sobre quem escrevi para a Parêntese 32, foi encenado e aplaudido como vanguardista do gênero. Fizeram sucesso. Bivar levou o Prêmio Molière. Debochada e pop, a linguagem do dramaturgo talvez tenha a ver com a imersão no movimento punk. Do mergulho de cabeça, o famoso ensaio O que é o punk? (1982). A aproximação aconteceu em São Paulo. O escritor, antes hippie, teria se dado conta de que os punks eram mais realistas, enquanto os hippies, em boa parte, pertenceriam à classe média privilegiada, turma com a qual deixou de se identificar. Algo raiz, no entanto, parece ter ficado. Morreu pobre, vivia de um salário mínimo e com o que ganhava de trabalhos esporádicos na imprensa. Dizia ser suficiente. Multifacetado, publicou Chic-a-boom (1991), um romance; Yolanda (2004), a biografia de Yolanda Penteado (1903-1983); Contos atrevidos (2009), coletânea de contos; e cinco autobiografias do tipo mistura-tudo-e-fica-bom. Na área musical, dirigiu nomes hoje consagrados como Maria Bethânia, no Drama, luz da noite, em 1973; e Rita Lee, no show Tutti-fruti, em 1975. Atuou e traduziu. Pau para toda a obra que, se fez gambiarra, não se vê. A biobibliografia está na internet, nos volumes de memórias. Não está um e-mail que me remeteu. Descobri que ele tinha estado com a escritora Cassandra Rios (1932-2002) para uma entrevista para a revista Nova, da Editora Abril. Interessado nela, indaguei sobre o encontro. Em 12/12/2013, a reposta:  Jandiro, demorei a responder por estar envolvido em tantas coisas.Sim, tive dias de contato com Cassandra. Na época ela me contavacoisas tipo Jorge Amado a admirava muito; Maria Bethânia numa faseantes da fama foi leitora assídua e, acho, em 1980 Cassandra levou depresente toda a nova edição de seus romances para Bethania, que davashow em S. Paulo; Cassandra corrigia os originais de A. Carraro [Adelaide Carraro]; Oapartamento de Cassandra na Rua Cesário Mota, na Vila Buarque, tinha asparedes todas protegidas por forro de cortiça, para abafar,acusticamente; Ela namorava, vivia, com uma moça simpática, mais nova,mas não lembro […]

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