Ensaio | Parêntese

Jandiro Koch: Madonna encontra Foucault

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Jandiro Koch: Madonna encontra Foucault Bastante presente em shows, a fumaça artificial pode ser gelo seco, água com glicerina ou amônia. Esta pode irritar os olhos. É o que diz uma página da Superinteressante na internet. Era por isso que eu estava com os olhos vermelhos, tentando pegar uma condução que me levasse de volta ao hotel no centro de Porto Alegre, em 2012? Pessoas olhavam. Dilatavam as pupilas. Seguiam adiante, mais apressadas, tentando localizar carro, micro-ônibus, táxi. Só percebi meu estado no espelho, no quarto em que ficaria até a manhã seguinte. Não aconteceu de novo. Por isso vinculei à fumaça. Nem o embevecimento diante de Madonna, que, poucos minutos antes, apresentara a digressão The MDNA Tour no Olímpico, teve correlatos.  Oito anos depois, a artista resumiu aos Estados Unidos, à França, à Inglaterra e a Portugal, onde morou recentemente, Madame X, a mais recente turnê. Comecei a acompanhá-la em anos há muito idos, quando vivia em uma pequena localidade rural na bucólica cidadela de Estrela, interior do Rio Grande do Sul. Época de televisão e de revistas em bancas. Viu no Fantástico? Não viu, não verá mais. Para fãs de longa data, é frustrante saber que não será possível estar em um show. Fiquei a uns metros distante, dois braços talvez – menos, mas faltou coragem para medir-, apalermado diante daquela mulher pequenininha, que eu sempre achara ser grandalhona tipo Cher.  Memórias do evento feneceram. Como tudo que pretendemos guardar para sempre, lengalenga que apazígua corações partidos pela perda. Lembro-me de comentários sobre o uso de playback, de mim enfurecido pela crítica desnecessária. Ídolos não deixam a pessoa cega; Madonna já assumiu não ter os melhores recursos vocais, embora tenha um repertório com canções fascinantemente bem interpretadas – como algumas do álbum lançado para o filme Evita. Pé no chão, admiro o que ela é capaz de fazer recorrendo à estética, à dança, à representação, à música e aos recursos tecnológicos. Cruzamento que explode no palco, mestiçagem que a torna uma showwoman. As limitações são conhecidas, não se trata de alguém com a bunda virada para a lua em termos do que entendemos por dom. A capacidade de qualquer um se virar nos trinta, apresentando algo inebriante, no entanto, me enternece. Nisso há certa predisposição minha em ver o esforço por detrás do resultado como parte desse. Dom é privilégio. Não que eu desmereça alguém bem-dotado, mas ela realmente se empenha para compartilhar o melhor que consegue – e isso é fascinante. Em 2019/2020, Madonna fez algo espetacular. Proibiu os celulares. Esses aparelhos incomodaram sobremaneira em 2012. Mãos nervosas erguidas a minha frente tentavam capturar imagens o tempo todo. Um empurra-empurra quase resultou em briga. Provavelmente alguém não controlou a raiva. Melhor hipótese: alguém foi mais corajoso do que eu. Um tapa em um celular e a confusão se armou para logo dissipar. Chato aquilo. Na falta de smartphones, sabe-se da nova tour pelas críticas na imprensa, pelos relatos de expectadores e pelas poucas cenas e fotos oficiais compartilhadas – o que não […]

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Bastante presente em shows, a fumaça artificial pode ser gelo seco, água com glicerina ou amônia. Esta pode irritar os olhos. É o que diz uma página da Superinteressante na internet. Era por isso que eu estava com os olhos vermelhos, tentando pegar uma condução que me levasse de volta ao hotel no centro de Porto Alegre, em 2012? Pessoas olhavam. Dilatavam as pupilas. Seguiam adiante, mais apressadas, tentando localizar carro, micro-ônibus, táxi. Só percebi meu estado no espelho, no quarto em que ficaria até a manhã seguinte. Não aconteceu de novo. Por isso vinculei à fumaça. Nem o embevecimento diante de Madonna, que, poucos minutos antes, apresentara a digressão The MDNA Tour no Olímpico, teve correlatos.  Oito anos depois, a artista resumiu aos Estados Unidos, à França, à Inglaterra e a Portugal, onde morou recentemente, Madame X, a mais recente turnê. Comecei a acompanhá-la em anos há muito idos, quando vivia em uma pequena localidade rural na bucólica cidadela de Estrela, interior do Rio Grande do Sul. Época de televisão e de revistas em bancas. Viu no Fantástico? Não viu, não verá mais. Para fãs de longa data, é frustrante saber que não será possível estar em um show. Fiquei a uns metros distante, dois braços talvez – menos, mas faltou coragem para medir-, apalermado diante daquela mulher pequenininha, que eu sempre achara ser grandalhona tipo Cher.  Memórias do evento feneceram. Como tudo que pretendemos guardar para sempre, lengalenga que apazígua corações partidos pela perda. Lembro-me de comentários sobre o uso de playback, de mim enfurecido pela crítica desnecessária. Ídolos não deixam a pessoa cega; Madonna já assumiu não ter os melhores recursos vocais, embora tenha um repertório com canções fascinantemente bem interpretadas – como algumas do álbum lançado para o filme Evita. Pé no chão, admiro o que ela é capaz de fazer recorrendo à estética, à dança, à representação, à música e aos recursos tecnológicos. Cruzamento que explode no palco, mestiçagem que a torna uma showwoman. As limitações são conhecidas, não se trata de alguém com a bunda virada para a lua em termos do que entendemos por dom. A capacidade de qualquer um se virar nos trinta, apresentando algo inebriante, no entanto, me enternece. Nisso há certa predisposição minha em ver o esforço por detrás do resultado como parte desse. Dom é privilégio. Não que eu desmereça alguém bem-dotado, mas ela realmente se empenha para compartilhar o melhor que consegue – e isso é fascinante. Em 2019/2020, Madonna fez algo espetacular. Proibiu os celulares. Esses aparelhos incomodaram sobremaneira em 2012. Mãos nervosas erguidas a minha frente tentavam capturar imagens o tempo todo. Um empurra-empurra quase resultou em briga. Provavelmente alguém não controlou a raiva. Melhor hipótese: alguém foi mais corajoso do que eu. Um tapa em um celular e a confusão se armou para logo dissipar. Chato aquilo. Na falta de smartphones, sabe-se da nova tour pelas críticas na imprensa, pelos relatos de expectadores e pelas poucas cenas e fotos oficiais compartilhadas – o que não […]

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