Parêntese | Resenha

Jandiro Koch: Maria Firmina dos Reis e a masculinidade de-tóxica

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Jandiro Koch: Maria Firmina dos Reis e a masculinidade de-tóxica Quando peguei Úrsula – Editora Taverna (2018), de Porto Alegre – de uma pilha de livros desorganizados, fui levado por um conjunto de motivações. Suspender uma leitura mais ou menos fácil, embora irrepreensível, de Lucinda Riley, de quem acabara de ler mais um tomo da coleção As sete irmãs, foi uma. Era meu quinto livro, uma edição em inglês, ainda não traduzido. Com 837 páginas, The sun sister trata da saga familiar da modelo negra Electra. Criada na Suíça, ela reside nos Estados Unidos. Seus ancestrais viveram no Quênia colonizado por europeus. Escolher um dos livros que fazem parte da minha estante foi outra. Andei devorando emprestados, que caíram redondo. É bom ser alimentado. A comida do outro me alerta sobre certa limitação gerada pelo que entra no prato por gosto pessoal. Mas os comprados correm risco de acumular pó. E estava na hora de voltar ao Brasil. Uma outra razão é que, quando o adquiri, falando com os editores, me contaram de alguma tensão gerada pela publicação. Eles são brancos. A maranhense Maria Firmina dos Reis (1822-1917) foi filha de uma forra com um branco. Mulata para alguns. Negra para os que defenestram a separação entre mulatos e negros por verem na estratificação de cor a materialização de uma segregação racista – moreno, mulato e pardo seriam eufemismos que enfraquecem as demandas por direitos iguais e reparação. Quando ouvi o comentário dos editores, lembrei-me de algumas coisas dos bastidores cult-blasé do mundo literário. De algo em específico. De uma escritora branca sugerindo a escritores brancos que não deveriam escrever sobre pretos. Porque essa escrita não lhes pertencia. Embora ela própria tenha o nome estampado em uma obra repleta de personagens negros, dos quais traça perfis psicológicos, volume que ainda está nas vitrines. Teto de vidro é como chamam? Mas não é disso que vou falar, porque é uma conversa longuíssima – e briga na certa.  De Úrsula, pretendo destacar algo para o que minha atenção se voltou. Não vi inferência semelhante em nenhum artigo, dissertação ou matéria jornalística das inúmeras sobre vida e obra de Maria Firmina. Porque escapa às pretensões literárias ou sociais da autora, bem como às intenções centrais com a republicação de seus textos. Dessas coisas que vêm como brinde. Mas antes um panorama sobre as questões de gênero presentes. Na descrição da relação entre os pais do personagem Tancredo, a opressão característica à mulher na antiga (?) estrutura familiar: “[…] meu pai era o tirano de sua mulher; e ela, triste vítima […]. Quantas vezes na infância, malgrado meu, testemunhei cenas dolorosas que magoavam, e de louca prepotência, que revoltavam” (p. 71). Na mãe, o arquétipo de submissão feminina. Com poucas possibilidades para solucionar as questões à época, nas missivas que enviava ao filho, que trabalhava em outra cidade, “não dirigia queixas contra o seu marido” (p. 89). Vítima dos maus-tratos, foi trocada por uma mulher mais jovem: clichê.  Luísa B., mãe da jovem Úrsula, por sua vez, narra os desacertos da sua união, porque […]

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Quando peguei Úrsula – Editora Taverna (2018), de Porto Alegre – de uma pilha de livros desorganizados, fui levado por um conjunto de motivações. Suspender uma leitura mais ou menos fácil, embora irrepreensível, de Lucinda Riley, de quem acabara de ler mais um tomo da coleção As sete irmãs, foi uma. Era meu quinto livro, uma edição em inglês, ainda não traduzido. Com 837 páginas, The sun sister trata da saga familiar da modelo negra Electra. Criada na Suíça, ela reside nos Estados Unidos. Seus ancestrais viveram no Quênia colonizado por europeus. Escolher um dos livros que fazem parte da minha estante foi outra. Andei devorando emprestados, que caíram redondo. É bom ser alimentado. A comida do outro me alerta sobre certa limitação gerada pelo que entra no prato por gosto pessoal. Mas os comprados correm risco de acumular pó. E estava na hora de voltar ao Brasil. Uma outra razão é que, quando o adquiri, falando com os editores, me contaram de alguma tensão gerada pela publicação. Eles são brancos. A maranhense Maria Firmina dos Reis (1822-1917) foi filha de uma forra com um branco. Mulata para alguns. Negra para os que defenestram a separação entre mulatos e negros por verem na estratificação de cor a materialização de uma segregação racista – moreno, mulato e pardo seriam eufemismos que enfraquecem as demandas por direitos iguais e reparação. Quando ouvi o comentário dos editores, lembrei-me de algumas coisas dos bastidores cult-blasé do mundo literário. De algo em específico. De uma escritora branca sugerindo a escritores brancos que não deveriam escrever sobre pretos. Porque essa escrita não lhes pertencia. Embora ela própria tenha o nome estampado em uma obra repleta de personagens negros, dos quais traça perfis psicológicos, volume que ainda está nas vitrines. Teto de vidro é como chamam? Mas não é disso que vou falar, porque é uma conversa longuíssima – e briga na certa.  De Úrsula, pretendo destacar algo para o que minha atenção se voltou. Não vi inferência semelhante em nenhum artigo, dissertação ou matéria jornalística das inúmeras sobre vida e obra de Maria Firmina. Porque escapa às pretensões literárias ou sociais da autora, bem como às intenções centrais com a republicação de seus textos. Dessas coisas que vêm como brinde. Mas antes um panorama sobre as questões de gênero presentes. Na descrição da relação entre os pais do personagem Tancredo, a opressão característica à mulher na antiga (?) estrutura familiar: “[…] meu pai era o tirano de sua mulher; e ela, triste vítima […]. Quantas vezes na infância, malgrado meu, testemunhei cenas dolorosas que magoavam, e de louca prepotência, que revoltavam” (p. 71). Na mãe, o arquétipo de submissão feminina. Com poucas possibilidades para solucionar as questões à época, nas missivas que enviava ao filho, que trabalhava em outra cidade, “não dirigia queixas contra o seu marido” (p. 89). Vítima dos maus-tratos, foi trocada por uma mulher mais jovem: clichê.  Luísa B., mãe da jovem Úrsula, por sua vez, narra os desacertos da sua união, porque […]

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