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José C. Baracat Jr: José Cavalcante de Souza (1925-2020)

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José C. Baracat Jr: José Cavalcante de Souza (1925-2020) “Vocês têm de sentir a atmosfera dos diálogos”, dizia o Professor Cavalcante, enquanto, como um contador de histórias, nos apresentava – a nós, calouros da turma de 1993 da Filosofia da Unicamp – às principais obras de Platão. Invariavelmente, terminava as aulas em lágrimas, tão emocionado que ficava com a arte do filósofo ateniense, “o maior prosador ocidental”, como dizia. Com o tempo, nos habituamos ao seu jeito emotivo; mas ficamos desconcertados quando vimos, pela primeira vez, aquele senhor de densíssima cabeleira grisalha limpar os óculos úmidos e, encarnando Sócrates, com voz embargada parafrasear o desfecho do Protágoras com o assombroso (e para nós ainda incompreensível): “eis-nos aqui, vencidos pelo lógos”.  Acredito que tenha sido um dos últimos cursos, se não o último, que ele ministrou na Unicamp. Aposentado pela USP no final dos anos de 1980, ajudou a estruturar a área de antiga no curso de Filosofia da Unicamp, e nele lecionou até ser compulsoriamente aposentado. Sua presença na universidade campineira foi determinante também para a consolidação dos estudos clássicos por lá, então incipientes.   Cearense de Cariús, iniciou seus estudo em letras clássicas na Faculdade Católica de Filosofia, em Fortaleza, ao mesmo tempo que trabalhava como professor de francês na Aliança Francesa. Em 1951, com auxílio da instituição, Cavalcante passou uma temporada na França, onde teve a oportunidade de aprofundar seus estudos de língua e literatura gregas. De volta ao Brasil, mudou-se para São Paulo em 1953, ensinando latim no Colégio Mackenzie, até tornar-se docente do Departamento de Letras Clássicas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, em 1956. É dele o primeiro título de Doutor na área de estudos clássicos no Brasil, obtido em 1961, com uma tradução do Banquete de Platão, supervisionada por Robert Henri Aubreton, então professor da USP. Essa tradução, publicada em 1966 pela Difel, permanece um paradigma inalterável de precisão e elegância que todos os tradutores desse diálogo tentamos emular. Durante seus anos na USP, publicou ainda A Caracterização dos Sofistas nos Primeiros Diálogos de Platão (USP, 1969), e organizou o primeiro volume da célebre coleção “Os Pensadores” (Abril Cultural, 1973), dedicado aos filósofos pré-socráticos, no qual se leem suas influentes e originais traduções de Parmênides e Heráclito, entre outros dos primeiros filósofos. Recentemente, em 2016, publicou a tradução do Fedro  de Platão (Editora 34), não menos bela e pungente que a do Banquete. Medida pelos parâmetros acadêmicos de hoje, a obra publicada do Professor Cavalcante parece pequena, para tantos anos de atividade. Todavia, nada está mais distante da verdade do que tal juízo. Em primeiro lugar, é preciso ter em conta o pioneirismo e a excelência da sua atividade: não nos legou nada que seja menos do que brilhante. Em segundo, o perfeccionismo o impedia de publicar por publicar: não se sabe ao certo quantas e quais obras o Professor Cavalcante traduziu, mas não publicou. Estão inéditas ainda suas numerosas traduções de diversos poetas líricos gregos, dentre os quais Píndaro, cujas odes, todas, ele verteu, assim como uma tradução integral da […]

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“Vocês têm de sentir a atmosfera dos diálogos”, dizia o Professor Cavalcante, enquanto, como um contador de histórias, nos apresentava – a nós, calouros da turma de 1993 da Filosofia da Unicamp – às principais obras de Platão. Invariavelmente, terminava as aulas em lágrimas, tão emocionado que ficava com a arte do filósofo ateniense, “o maior prosador ocidental”, como dizia. Com o tempo, nos habituamos ao seu jeito emotivo; mas ficamos desconcertados quando vimos, pela primeira vez, aquele senhor de densíssima cabeleira grisalha limpar os óculos úmidos e, encarnando Sócrates, com voz embargada parafrasear o desfecho do Protágoras com o assombroso (e para nós ainda incompreensível): “eis-nos aqui, vencidos pelo lógos”.  Acredito que tenha sido um dos últimos cursos, se não o último, que ele ministrou na Unicamp. Aposentado pela USP no final dos anos de 1980, ajudou a estruturar a área de antiga no curso de Filosofia da Unicamp, e nele lecionou até ser compulsoriamente aposentado. Sua presença na universidade campineira foi determinante também para a consolidação dos estudos clássicos por lá, então incipientes.   Cearense de Cariús, iniciou seus estudo em letras clássicas na Faculdade Católica de Filosofia, em Fortaleza, ao mesmo tempo que trabalhava como professor de francês na Aliança Francesa. Em 1951, com auxílio da instituição, Cavalcante passou uma temporada na França, onde teve a oportunidade de aprofundar seus estudos de língua e literatura gregas. De volta ao Brasil, mudou-se para São Paulo em 1953, ensinando latim no Colégio Mackenzie, até tornar-se docente do Departamento de Letras Clássicas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, em 1956. É dele o primeiro título de Doutor na área de estudos clássicos no Brasil, obtido em 1961, com uma tradução do Banquete de Platão, supervisionada por Robert Henri Aubreton, então professor da USP. Essa tradução, publicada em 1966 pela Difel, permanece um paradigma inalterável de precisão e elegância que todos os tradutores desse diálogo tentamos emular. Durante seus anos na USP, publicou ainda A Caracterização dos Sofistas nos Primeiros Diálogos de Platão (USP, 1969), e organizou o primeiro volume da célebre coleção “Os Pensadores” (Abril Cultural, 1973), dedicado aos filósofos pré-socráticos, no qual se leem suas influentes e originais traduções de Parmênides e Heráclito, entre outros dos primeiros filósofos. Recentemente, em 2016, publicou a tradução do Fedro  de Platão (Editora 34), não menos bela e pungente que a do Banquete. Medida pelos parâmetros acadêmicos de hoje, a obra publicada do Professor Cavalcante parece pequena, para tantos anos de atividade. Todavia, nada está mais distante da verdade do que tal juízo. Em primeiro lugar, é preciso ter em conta o pioneirismo e a excelência da sua atividade: não nos legou nada que seja menos do que brilhante. Em segundo, o perfeccionismo o impedia de publicar por publicar: não se sabe ao certo quantas e quais obras o Professor Cavalcante traduziu, mas não publicou. Estão inéditas ainda suas numerosas traduções de diversos poetas líricos gregos, dentre os quais Píndaro, cujas odes, todas, ele verteu, assim como uma tradução integral da […]

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