Parêntese | Reportagem

É as guria

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É as guria José, com as irmãs Stefani e Paula Guedes de Aiedo: empreendedoras da cooperativa SDV Reciclando (Foto: Maria Rita Monfroni)
Stefani e Paula contam como a cooperativa SDV Reciclando ampara mulheres da Vila dos Herdeiros, às margens da represa da Lomba do Sabão Dia desses, tomando todas as devidas precauções contra a Covid-19, fui à Bolívia. É claro que não me refiro ao país, mas a um pedaço da capital gaúcha que ganhou esse apelido pela fama de comercializar altas quantidades de cocaína. Sem dúvida, uma alcunha duplamente pejorativa, injusta tanto com o povo boliviano quanto com os moradores daquela região de Porto Alegre. Porém, entre todas as problematizações que pretendo fazer aqui, neste texto, começo justamente levantando essa questão: quando apenas pessoas de classes privilegiadas escrevem para os jornais, como é que as comunidades periféricas terminam representadas? Pois digite “Beco dos Cafunchos” no Google e veja com os seus próprios olhos. É assustador como os veículos de comunicação estão sempre prontos a direcionar os holofotes para a Vila dos Herdeiros, desde que o assunto seja o tráfico de drogas, a tragédia, a morte. Se o leitor ainda não sabe de qual lugar estou falando, faço questão de situá-lo. Todos sabemos que, a oeste, a capital gaúcha termina num monte de água, exatamente onde ocorre o nosso ilustre pôr do sol; o que nem todos sabem, e normalmente não querem saber, é que, a leste, Porto Alegre também termina num monte de água, precisamente onde acontece a nossa desconhecida alvorada. Pois é ali –  às margens da gigantesca e ameaçadora represa da Lomba do Sabão –, é ali que apresenta-se a Bolívia, o Beco dos Cafunchos, a Vila dos Herdeiros. Mas – e acho que cabe este esclarecimento, dado o estigma que pesa sobre a região – não fui lá por causa de drogas ou de morte. Fui lá para aprender sobre vida, sobre empreendedorismo, sobre gestão, sobre sustentabilidade, sobre feminismo, sobre empoderamento, sobre economia solidária, sobre educação ambiental e sobre mais um monte de coisas. Fui lá para aprender, com as irmãs Paula e Stefani Guedes de Aiedo, muito mais do que eu poderia aprender do outro lado da Bento, no campus Vale da UFRGS. As duas vieram ao meu encontro a bordo do prejudicado Pé de Pano – o veículo oficial da SDV Reciclando, cooperativa fundada por elas há dois anos. Digo “prejudicado” porque, nos últimos tempos, o carro carece de reparos, razão pela qual, inclusive, as irmãs abriram uma campanha de financiamento coletivo. Tão logo Paula, 31 anos, e Stefani, 27, desembarcaram da caminhonete, me saudaram com o seu famoso e eloquente bordão: “É as guria!”. As máscaras não davam conta de esconder sorrisos tão largos. E outra coisa igualmente indisfarçável era o enorme anseio de abraçar. “Não pode abraço, não pode abraço”, Paula lamentou, erguendo os cotovelos para que eu pudesse bater neles com os meus, cumprimento que em seguida repeti com Stefani. Depois de breves pinceladas nos assuntos em voga, enquanto caminhávamos em direção à entrada da Vila dos Herdeiros, Paula perguntou: “Tá, e como vai ser a entrevista?” “Sei lá. Vamo conversando. Quero saber […]

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