Diário da espera | Parêntese

Katia Suman: Diário de quarentena

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Katia Suman: Diário de quarentena
Dia 1 É chato já começar se gabando, mas esta talvez seja a única oportunidade que eu vou ter na vida para exaltar as virtudes e benefícios de ser uma espécie de bicho-do-mato de apartamento. Então apenas aceitem: eu sou boa nesse negócio de ficar sozinha em casa por longos períodos. Nenhuma novidade. E trabalho de casa, em regime ‘home office’, como se diz em português, há pelo menos dez anos: escrevendo, transmitindo e gerenciando a rádio web radioelétrica.com, produzindo o Sarau Elétrico e inventando possibilidades de sobrevivência. Quando li ‘Sobre os ossos dos mortos” me identifiquei muito com a protagonista da trama, uma velha que vive só, numa região igualmente isolada, e que mantém a cabeça muito ativa, superpovoada de teses, estudos e convicções. Aliás já leram?  Foi apenas o melhor livro que eu li em muitos anos. Tem que ler! A autora é uma polonesa chamada Olga Tokarczuk. Enfim, pra uma velha semi-reclusa como eu, quarentena é meio habitat natural,  não há um grande desafio. Sinto falta de ir na academia, porque serotonina vicia. Mas tenho caminhado na orla que está vazia, acreditando que, mantendo distância das pessoas e num ambiente ao ar livre, não vou me contaminar.  Aliás tenho uma tese a esse respeito, mas vou poupá-los.  Tento localizar mentalmente quando foi exatamente o dia 1. Recordo que sábado, dia 14 de março, foi o meu último dia ‘normal’. Nesse dia fui à academia me exercitar, depois tomei café com uma amiga e fui ao súper. Domingo de manhã escrevi para meus companheiros do Sarau, profe Fischer e Diego, dizendo que achava que deveríamos cancelar o Sarau e decidimos aguardar e deixar para anunciar o cancelamento na terça, dia 17. Aliás seria um Sarau memorável com a participação do professor Felipe Boff, paraninfo da turma de Jornalismo da Unisinos, aquele que teve que sair escoltado da cerimônia de formatura, porque alguns cidadãos de bem, familiares dos formandos, se sentiram no direito de insultar, vaiar e tentar impedir sua fala. E teríamos também a canja luxuosa da Flora Almeida! Dia 2 Estou com dificuldade para me concentrar no livro em que estou trabalhando. Baixar a cabeça e simplesmente trabalhar nunca foi tão difícil. A ansiedade dá um pico sempre que atualizo as informações sobre o que está acontecendo. Suponho que todo mundo esteja passando por isso. Tenho ido ao supermercado, porque, bem, porque precisa, né? Adotei o sistema de luvinhas de plástico – não as cirúrgicas, mas as de plástico transparente, que são mais usadas em cozinha. Já saio com elas de casa, para usar no elevador, nas maçanetas do caminho. Dentro do súper faço tudo com essas luvinhas, pagamento inclusive. Quando chego em casa, o sapato já fica na entrada (esse hábito é pré corona vírus) e a roupa vai toda pra máquina. E eu pro banho. Lavo as chaves e o cartão de crédito, inclusive. Será que estou exagerando?  O celular nem uso mais na rua, mas se usar, a capinha vai ser lavada com água […]

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