Parêntese | Retrato escrito

Kátia Suman: Cardoso e a fala da cidade

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Kátia Suman: Cardoso e a fala da cidade A brincadeira aqui é observar como Porto alegre aparece nos livros, ou dito de outra forma, como os autores descrevem/revelam/recriam/representam a cidade – a minha, a sua, a nossa, né? – em seus textos.Quando pensei no Cardoso (André Czarnobai) e no seu Cavernas & Concubinas (2005, DBA), pensei em um autor todo trabalhado na oralidade porto-alegrês da gema e imaginei que, por isso, porque a gente fica ouvindo a fala da cidade enquanto lê, achei que Porto Alegre estaria lá em mil frases sinuosas. Pois não está. Porto Alegre está mais na fala, na prosódia e aparece pouco como cenário, ambiente, geografia. Fui catando menções, comemorando cada uma e me deliciando mais uma vez com o texto do Cardoso. Dizem que o por do sol às margens do Guaíba é uma das cenas mais belas do mundo. Também dizem que fumar maconha deixa mais viva a percepção das cores e que pode causar alucinações leves. Dizem ainda que Porto Alegre é a cidade do Brasil onde mais se fuma maconha. Não é de se estranhar, portanto, que Jaime tenha sentado junto com Pedro naquele MORRINHO não muito longe da Usina do Gasômetro para tostar unzinho assistindo o sol sumindo no horizonte. – Onde tu pegou esse – perguntou Pedro recebendo a OFERENDA.– Na Conceição. Te liga que é uma paulada no MELÃO – alertou Jaime.– Pegou quanto?– Cinquenta.– Pila?– Gramas. Cinquenta gramas por cem pila.– Pô, meio NOS DEDO.– Pois é. Mas dá uns pega pra tu ver. Tu vai ficar muuuuuuuito louco. (…) Eis que uma das exclusividades de Porto alegre resolve se manifestar para mudar o rumo dessa prosa: a POLÍCIA MONTADA. Pedro avistou ao longe a dupla de BRIGADIANOS cavalgando morosamente, olhar fixo nos dois maconheiros sentados no MORRINHO. Cutucou Jaime. – Ó, dispensa que deu merda.– Dispensa o quê?– Não deu tempo de explicar. Totalmente Porto Alegre essa cena: morrinho (antes da beira do rio virar orla), brigadiano a cavalo, por do sol, maconha e Usina do Gasômetro. E claro, o pronome na segunda e o verbo na terceira.Outro trecho do Cardoso: APESAR DE CHOVER EM PORTO ALEGRE, e apesar deste fato ter peso DETERMINANTE no relato que segue, vou poupar-me e aos meus leitores de iniciar mais um entre tantos textos com o mesmo conjunto de palavras (a saber, Chove em Porto alegre). Mas o fato é que CHOVE e é em PORTO ALEGRE que chove. Sendo assim, Chove em Porto alegre.É bem possível que chova em outros logradouros e lugarejos espalhados pelo estado, mas isso não interessa para os eventos que se desenvolveram às proximidades das TRÊS da tarde na Gomes Carneiro (a saber, a LOMBA oblíqua à LOMBA onde vivo). Mas fato é que, na Gomes Carneiro, chovia às 15h. Sendo assim, Ensaboa-se milagrosamente o asfalto da Gomes Carneiro. Porto Alegre é uma cidade cheia de lombas e uma cidade em que a meteorologia é pauta sempre, ou porque está muito quente, ou muito frio, ou tem muito vento, ou está muito úmido, ou […]

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A brincadeira aqui é observar como Porto alegre aparece nos livros, ou dito de outra forma, como os autores descrevem/revelam/recriam/representam a cidade – a minha, a sua, a nossa, né? – em seus textos.Quando pensei no Cardoso (André Czarnobai) e no seu Cavernas & Concubinas (2005, DBA), pensei em um autor todo trabalhado na oralidade porto-alegrês da gema e imaginei que, por isso, porque a gente fica ouvindo a fala da cidade enquanto lê, achei que Porto Alegre estaria lá em mil frases sinuosas. Pois não está. Porto Alegre está mais na fala, na prosódia e aparece pouco como cenário, ambiente, geografia. Fui catando menções, comemorando cada uma e me deliciando mais uma vez com o texto do Cardoso. Dizem que o por do sol às margens do Guaíba é uma das cenas mais belas do mundo. Também dizem que fumar maconha deixa mais viva a percepção das cores e que pode causar alucinações leves. Dizem ainda que Porto Alegre é a cidade do Brasil onde mais se fuma maconha. Não é de se estranhar, portanto, que Jaime tenha sentado junto com Pedro naquele MORRINHO não muito longe da Usina do Gasômetro para tostar unzinho assistindo o sol sumindo no horizonte. – Onde tu pegou esse – perguntou Pedro recebendo a OFERENDA.– Na Conceição. Te liga que é uma paulada no MELÃO – alertou Jaime.– Pegou quanto?– Cinquenta.– Pila?– Gramas. Cinquenta gramas por cem pila.– Pô, meio NOS DEDO.– Pois é. Mas dá uns pega pra tu ver. Tu vai ficar muuuuuuuito louco. (…) Eis que uma das exclusividades de Porto alegre resolve se manifestar para mudar o rumo dessa prosa: a POLÍCIA MONTADA. Pedro avistou ao longe a dupla de BRIGADIANOS cavalgando morosamente, olhar fixo nos dois maconheiros sentados no MORRINHO. Cutucou Jaime. – Ó, dispensa que deu merda.– Dispensa o quê?– Não deu tempo de explicar. Totalmente Porto Alegre essa cena: morrinho (antes da beira do rio virar orla), brigadiano a cavalo, por do sol, maconha e Usina do Gasômetro. E claro, o pronome na segunda e o verbo na terceira.Outro trecho do Cardoso: APESAR DE CHOVER EM PORTO ALEGRE, e apesar deste fato ter peso DETERMINANTE no relato que segue, vou poupar-me e aos meus leitores de iniciar mais um entre tantos textos com o mesmo conjunto de palavras (a saber, Chove em Porto alegre). Mas o fato é que CHOVE e é em PORTO ALEGRE que chove. Sendo assim, Chove em Porto alegre.É bem possível que chova em outros logradouros e lugarejos espalhados pelo estado, mas isso não interessa para os eventos que se desenvolveram às proximidades das TRÊS da tarde na Gomes Carneiro (a saber, a LOMBA oblíqua à LOMBA onde vivo). Mas fato é que, na Gomes Carneiro, chovia às 15h. Sendo assim, Ensaboa-se milagrosamente o asfalto da Gomes Carneiro. Porto Alegre é uma cidade cheia de lombas e uma cidade em que a meteorologia é pauta sempre, ou porque está muito quente, ou muito frio, ou tem muito vento, ou está muito úmido, ou […]

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