Parêntese | Resenha

Bebeto Alves – Salvo pela última vez

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Bebeto Alves – Salvo pela última vez “Essa janela não dá pra o mundo”. É a frase que abre aquele que seria o seu primeiro álbum, em 1980. Seria. O primeiro álbum oficial de Bebeto Alves é de 1981. Começou grande, lançando logo pela CBS, e transitou pelas principais majors do país. Contratado da Warner entre 1982 e 1884, não quis se tornar um cantor romântico a pedido do André Midani, foi embora pra Som Livre em 1985 e depois Continental em 1987. Não fez mais de um álbum em nenhuma delas. Dado o tempo que se precisa pra analisar, é fácil entender a equação: nessa época as gravadoras já não andavam atrás de investimentos a longo prazo, ou se era romântico ou se era MPBrock. O problema é que Bebeto era tudo e muito mais e, logo, aos olhos comerciais, era nada. Não se pode querer imediatismo com alguém ao mesmo tempo tão pop, tão rock, tão milonga, tão bossa, tão profundo. Profundo. Tão dentro do seu tempo interno e tão à frente do resto. Nos anos 80 já não se faziam álbuns destinados ao porvir. O Agora era o instante-já, não o instante-já da Clarice Lispector que agora cito, mas o comum, o passageiro, o transitório descartável, um instante-já de que todos e ninguém queriam se apossar. Bebeto Alves criou seu terreno e tomou posse do que viria a ser uma das obras mais complexas e ricas da atualidade. Sempre esteve no depois. E diz no agora: “Venho pro futuro porque assim me sou / Eu não sou daqui aqui só estou / Sou de lugar nenhum e assim eu me vou”. Entre o “Salvo” e o “Pela última vez” tem muita coisa, muito movimento. Ele lançou, e com propriedade, a Milonga Nova, pouco tempo antes tinha feito uns álbuns de milonga bem tradicionais junto com Mauro Moraes e ainda um pouco antes tinha feito uma trilogia de música eletrônica: “Danço só” (1987), “Milonga de paus” (1990) e “Paisagem” (1993) – nessa trilogia ele fazia, entre mais e tanto, bossa nova, pop e, sim, milongas eletrônicas. A gente lavava a alma ouvindo. Eu ficava pensando na cara da tradição. OhBlackBagual Em 2003 eu fui assistir o show “BlackBagualNegoVeio” no teatro de Arena, um show de voz e violão. Na saída falei pro Bebeto que queria ver o show todos os dias enquanto tivesse em cartaz. Ele botou meu nome na porta. Assim eu fiz. O show BlackBagualNegoVéio trazia algo que me atropelava, algo que só senti quando ouvi Laurie Anderson pela primeira vez, Philip Glass pela primeira vez, e mais alguma dessas coisas que, se nos pega de jeito, nos refaz pra sempre. Pegou.  BlackBagualNegoVéio me destruiu, me reconstruiu e sei que não fui a única vítima privilegiada. Era o Bebeto vendo mais uma vez o que ninguém vê. A acusação da existência do não-palpável, aquilo que se demora na sua própria construção conceptiva. Era o Bebeto, mais uma vez, querendo durar no tempo. Depois do terceiro sinal do Teatro de Arena, em Porto Alegre, […]

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“Essa janela não dá pra o mundo”. É a frase que abre aquele que seria o seu primeiro álbum, em 1980. Seria. O primeiro álbum oficial de Bebeto Alves é de 1981. Começou grande, lançando logo pela CBS, e transitou pelas principais majors do país. Contratado da Warner entre 1982 e 1884, não quis se tornar um cantor romântico a pedido do André Midani, foi embora pra Som Livre em 1985 e depois Continental em 1987. Não fez mais de um álbum em nenhuma delas. Dado o tempo que se precisa pra analisar, é fácil entender a equação: nessa época as gravadoras já não andavam atrás de investimentos a longo prazo, ou se era romântico ou se era MPBrock. O problema é que Bebeto era tudo e muito mais e, logo, aos olhos comerciais, era nada. Não se pode querer imediatismo com alguém ao mesmo tempo tão pop, tão rock, tão milonga, tão bossa, tão profundo. Profundo. Tão dentro do seu tempo interno e tão à frente do resto. Nos anos 80 já não se faziam álbuns destinados ao porvir. O Agora era o instante-já, não o instante-já da Clarice Lispector que agora cito, mas o comum, o passageiro, o transitório descartável, um instante-já de que todos e ninguém queriam se apossar. Bebeto Alves criou seu terreno e tomou posse do que viria a ser uma das obras mais complexas e ricas da atualidade. Sempre esteve no depois. E diz no agora: “Venho pro futuro porque assim me sou / Eu não sou daqui aqui só estou / Sou de lugar nenhum e assim eu me vou”. Entre o “Salvo” e o “Pela última vez” tem muita coisa, muito movimento. Ele lançou, e com propriedade, a Milonga Nova, pouco tempo antes tinha feito uns álbuns de milonga bem tradicionais junto com Mauro Moraes e ainda um pouco antes tinha feito uma trilogia de música eletrônica: “Danço só” (1987), “Milonga de paus” (1990) e “Paisagem” (1993) – nessa trilogia ele fazia, entre mais e tanto, bossa nova, pop e, sim, milongas eletrônicas. A gente lavava a alma ouvindo. Eu ficava pensando na cara da tradição. OhBlackBagual Em 2003 eu fui assistir o show “BlackBagualNegoVeio” no teatro de Arena, um show de voz e violão. Na saída falei pro Bebeto que queria ver o show todos os dias enquanto tivesse em cartaz. Ele botou meu nome na porta. Assim eu fiz. O show BlackBagualNegoVéio trazia algo que me atropelava, algo que só senti quando ouvi Laurie Anderson pela primeira vez, Philip Glass pela primeira vez, e mais alguma dessas coisas que, se nos pega de jeito, nos refaz pra sempre. Pegou.  BlackBagualNegoVéio me destruiu, me reconstruiu e sei que não fui a única vítima privilegiada. Era o Bebeto vendo mais uma vez o que ninguém vê. A acusação da existência do não-palpável, aquilo que se demora na sua própria construção conceptiva. Era o Bebeto, mais uma vez, querendo durar no tempo. Depois do terceiro sinal do Teatro de Arena, em Porto Alegre, […]

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