Parêntese | Resenha

Luís Augusto Fischer: Eduardo Cunha por dentro

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Luís Augusto Fischer: Eduardo Cunha por dentro Resenha do livro de Ricardo Lísias: “Diário da cadeia, com trechos da obra inédita Impeachment”, Eduardo Cunha (pseudônimo) Quando foi o impeachment da Dilma? Agosto de 2016. E quanto foi a prisão do principal articulador e viabilizador político desse processo, o então deputado federal Eduardo Cunha? Difícil lembrar? Muito tempo depois? Eu digo, porque consultei o oráculo: foi em outubro de 2016. Três anos e meio atrás, menos de dois meses após a degola de Dilma. Olhando daqui, não parece muito impressionante essa sequência no tempo? Mas bem, lá está Dilma cassada, tendo visto Temer e agora Bolsonaro no poder. E lá está, na cadeia ainda, o deputado carioca. O que pensa o preso Eduardo Cunha, condenado, em março de 2017, a quinze anos pelo juiz Moro? Vai delatar todo mundo? Entregará os muitos anéis que tem ou tinha para manter o que resta dos dedos? Se escrevesse, como relataria sua história pública, que vem desde o tempo do Collor até o momento presente, em que está hospedado numa cadeia federal em Curitiba, agora já sem cargo e majestade? Essas perguntas passaram pela cabeça de um escritor de ousadia e talento. Ricardo Lísias, paulista, nascido em 1975, é o autor da façanha. O nome do livro, lançado em 2017 e agora mais uma vez impedido de circular, é, já por si, um caso: “Diário da cadeia, com trechos da obra inédita Impeachment”, tudo isso escrito na capa, com uma arte que simula grades de uma cadeia. E a assinatura: “Eduardo Cunha (pseudônimo)”. Assim mesmo. Editora Record. Assim que saiu, o livro quase foi embargado, por uma ação de Eduardo Cunha, o verdadeiro, o que está preso, o ex-presidente da Câmara Federal que viabilizou o processo do impeachment de Dilma. Mas essa tentativa de Cunha foi negada, primeiro no Tribunal de Justiça do Rio mesmo e depois no STF, em parecer que defendeu a mais ampla liberdade para a criação artística. Nessa conjuntura, veio à tona o nome do autor, o citado Lísias, que preferiria manter-se incógnito neste caso. Não é o primeiro caso de escrita ficcional colada nos fatos objetivos, por parte do autor.  Fui ler o livro com muitas reservas, por vários motivos, e saí com grande ganho. Seria possível sustentar com qualidade um romance, tão colados a fatos tão notórios e tão próximos? Não é apenas Cunha que aparece com seu nome real, mas uma penca de outros protagonistas de cena atual – Michel Temer, Moreira Franco, Dilma, o procurador Deltan (aqui, Daltan), mas também Janaína Pascoal e figuras como Marilena Chauí. Só por isso, ler o livro já tem um encanto que, suspeito, deixará de existir daqui a poucos anos, dada a evanescência das coisas. Dá o que pensar esse empenho do Lísias, conferindo um calor totalmente inesperado e raríssimo entre nós a uma narrativa longa, em geral fria e distanciada. Só por isso, já é digno de entusiasmado aplauso: tirar o romance da redoma confortável em que ele está metido é coisa de grande valor. São […]

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Resenha do livro de Ricardo Lísias: “Diário da cadeia, com trechos da obra inédita Impeachment”, Eduardo Cunha (pseudônimo) Quando foi o impeachment da Dilma? Agosto de 2016. E quanto foi a prisão do principal articulador e viabilizador político desse processo, o então deputado federal Eduardo Cunha? Difícil lembrar? Muito tempo depois? Eu digo, porque consultei o oráculo: foi em outubro de 2016. Três anos e meio atrás, menos de dois meses após a degola de Dilma. Olhando daqui, não parece muito impressionante essa sequência no tempo? Mas bem, lá está Dilma cassada, tendo visto Temer e agora Bolsonaro no poder. E lá está, na cadeia ainda, o deputado carioca. O que pensa o preso Eduardo Cunha, condenado, em março de 2017, a quinze anos pelo juiz Moro? Vai delatar todo mundo? Entregará os muitos anéis que tem ou tinha para manter o que resta dos dedos? Se escrevesse, como relataria sua história pública, que vem desde o tempo do Collor até o momento presente, em que está hospedado numa cadeia federal em Curitiba, agora já sem cargo e majestade? Essas perguntas passaram pela cabeça de um escritor de ousadia e talento. Ricardo Lísias, paulista, nascido em 1975, é o autor da façanha. O nome do livro, lançado em 2017 e agora mais uma vez impedido de circular, é, já por si, um caso: “Diário da cadeia, com trechos da obra inédita Impeachment”, tudo isso escrito na capa, com uma arte que simula grades de uma cadeia. E a assinatura: “Eduardo Cunha (pseudônimo)”. Assim mesmo. Editora Record. Assim que saiu, o livro quase foi embargado, por uma ação de Eduardo Cunha, o verdadeiro, o que está preso, o ex-presidente da Câmara Federal que viabilizou o processo do impeachment de Dilma. Mas essa tentativa de Cunha foi negada, primeiro no Tribunal de Justiça do Rio mesmo e depois no STF, em parecer que defendeu a mais ampla liberdade para a criação artística. Nessa conjuntura, veio à tona o nome do autor, o citado Lísias, que preferiria manter-se incógnito neste caso. Não é o primeiro caso de escrita ficcional colada nos fatos objetivos, por parte do autor.  Fui ler o livro com muitas reservas, por vários motivos, e saí com grande ganho. Seria possível sustentar com qualidade um romance, tão colados a fatos tão notórios e tão próximos? Não é apenas Cunha que aparece com seu nome real, mas uma penca de outros protagonistas de cena atual – Michel Temer, Moreira Franco, Dilma, o procurador Deltan (aqui, Daltan), mas também Janaína Pascoal e figuras como Marilena Chauí. Só por isso, ler o livro já tem um encanto que, suspeito, deixará de existir daqui a poucos anos, dada a evanescência das coisas. Dá o que pensar esse empenho do Lísias, conferindo um calor totalmente inesperado e raríssimo entre nós a uma narrativa longa, em geral fria e distanciada. Só por isso, já é digno de entusiasmado aplauso: tirar o romance da redoma confortável em que ele está metido é coisa de grande valor. São […]

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