Parêntese | Resenha

Luís Augusto Fischer: Oswaldo de Camargo – Três livros

Change Size Text
Luís Augusto Fischer: Oswaldo de Camargo – Três livros O carro do êxito, contos (1972, Martins Editora, SP)A descoberta do frio, novela (1979, reeditada em 2015 pela Ateliê Editorial, SP)Raiz de um negro brasileiro, esboço autobiográfico (2015, editora Ciclo Contínuo, SP) UM Não acho a ponta do novelo para entrar na resenha desses três impressionantes livros de Oswaldo de Camargo. Sabia dele muito pouca coisa até um mês atrás, quando a Roberta Flores Pedroso agenciou a entrevista que esta edição traz. Tinha notícia de que era poeta e tinha também livros de prosa, assim como era organizador de uma antologia de “poetas negros brasileiros”, A razão da chama (São Paulo: GRD, 1986); havia lido o capítulo a ele dedicado na indispensável obra de Eduardo de Assis Duarte Literatura e afrodescendência no Brasil. Nada até então me puxava para um mergulho sério em sua literatura. Então li esses três livros. São livros de acesso difícil, pela circulação rarefeita. Mas são livros que deveriam ser lidos por todo brasileiro letrado, porque dão a ver uma experiência complexa e de essencial relevância, numa linguagem que combina de modo complicado uma grande fluência narrativa, atestando evidente domínio dos meios expressivos, com uma certa obscuridade, uma certa opacidade na exposição de personagens e conflitos. Nada a estranhar, se pensarmos que Oswaldo de Camargo é talvez o único escritor de sua geração a concentrar em si experiências essenciais na vida do país, como a condição negra (vamos chamar assim, sabendo que o terreno das palavras aqui é acidentado e resvaladiço) e a condição pobre, que se modulam numa trajetória social ascendente mediada por estudos formais em seminário católico, e que narra essa experiência, ficcionalizando-a. Sublinho: narra. Faz narrativa. Conta em prosa. Escreve contos, novelas, memórias.  (Alguém lembrará Carolina Maria de Jesus, e lembrará bem. Mulher, uma geração mais velha que Oswaldo – ela viveu entre 1914 e 1977, ele nasceu em 1936, ambos com infância pobre e imigrantes na capital paulista, ele tendo ascendido socialmente, ela tendo caído mais ainda, até à miséria, tendo depois conhecido a fartura, em percurso cheio de problemas. Ela também escreveu prosa, em seus diários e em romance. Sua obra é um bom termo de comparação e contraste, coisa que não será feita aqui.) Prosa é o ponto.  DOIS Muitos escritores afredescendentes escreveram poesia, mas raros frequentaram a prosa, até a geração de Oswaldo de Camargo e mesmo depois. Sim, houve o genial Machado de Assis, reivindicado por muitos como negro, mas ele mesmo teve, para com sua condição étnica, uma relação distante, para não dizer ausente e mesmo denegadora. O ponto é que o autor Raiz de um negro brasileiro não apenas tem sangue negro: ele coloca a condição do negro em tela sempre, da primeira à última página de seus livros. E faz prosa. Por que houve mais poetas do que prosadores na linhagem de escritores negros? A questão não tem resposta simples, mas podemos arriscar alguns elementos. Na poesia parece que dá para ser apenas verdadeiro e direto, para revelar as verdades da alma, e por isso […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

O carro do êxito, contos (1972, Martins Editora, SP)A descoberta do frio, novela (1979, reeditada em 2015 pela Ateliê Editorial, SP)Raiz de um negro brasileiro, esboço autobiográfico (2015, editora Ciclo Contínuo, SP) UM Não acho a ponta do novelo para entrar na resenha desses três impressionantes livros de Oswaldo de Camargo. Sabia dele muito pouca coisa até um mês atrás, quando a Roberta Flores Pedroso agenciou a entrevista que esta edição traz. Tinha notícia de que era poeta e tinha também livros de prosa, assim como era organizador de uma antologia de “poetas negros brasileiros”, A razão da chama (São Paulo: GRD, 1986); havia lido o capítulo a ele dedicado na indispensável obra de Eduardo de Assis Duarte Literatura e afrodescendência no Brasil. Nada até então me puxava para um mergulho sério em sua literatura. Então li esses três livros. São livros de acesso difícil, pela circulação rarefeita. Mas são livros que deveriam ser lidos por todo brasileiro letrado, porque dão a ver uma experiência complexa e de essencial relevância, numa linguagem que combina de modo complicado uma grande fluência narrativa, atestando evidente domínio dos meios expressivos, com uma certa obscuridade, uma certa opacidade na exposição de personagens e conflitos. Nada a estranhar, se pensarmos que Oswaldo de Camargo é talvez o único escritor de sua geração a concentrar em si experiências essenciais na vida do país, como a condição negra (vamos chamar assim, sabendo que o terreno das palavras aqui é acidentado e resvaladiço) e a condição pobre, que se modulam numa trajetória social ascendente mediada por estudos formais em seminário católico, e que narra essa experiência, ficcionalizando-a. Sublinho: narra. Faz narrativa. Conta em prosa. Escreve contos, novelas, memórias.  (Alguém lembrará Carolina Maria de Jesus, e lembrará bem. Mulher, uma geração mais velha que Oswaldo – ela viveu entre 1914 e 1977, ele nasceu em 1936, ambos com infância pobre e imigrantes na capital paulista, ele tendo ascendido socialmente, ela tendo caído mais ainda, até à miséria, tendo depois conhecido a fartura, em percurso cheio de problemas. Ela também escreveu prosa, em seus diários e em romance. Sua obra é um bom termo de comparação e contraste, coisa que não será feita aqui.) Prosa é o ponto.  DOIS Muitos escritores afredescendentes escreveram poesia, mas raros frequentaram a prosa, até a geração de Oswaldo de Camargo e mesmo depois. Sim, houve o genial Machado de Assis, reivindicado por muitos como negro, mas ele mesmo teve, para com sua condição étnica, uma relação distante, para não dizer ausente e mesmo denegadora. O ponto é que o autor Raiz de um negro brasileiro não apenas tem sangue negro: ele coloca a condição do negro em tela sempre, da primeira à última página de seus livros. E faz prosa. Por que houve mais poetas do que prosadores na linhagem de escritores negros? A questão não tem resposta simples, mas podemos arriscar alguns elementos. Na poesia parece que dá para ser apenas verdadeiro e direto, para revelar as verdades da alma, e por isso […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

RELACIONADAS
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHEUM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHEUM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.