Ensaio | Parêntese

Marcos Lacerda: Hotel Universo: a poética de Ronaldo Bastos

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Marcos Lacerda: Hotel Universo: a poética de Ronaldo Bastos Tenho uma relação com a canção popular que vem desde criança, como todos os brasileiros. A canção sempre foi para mim uma forma privilegiada de interpretação do mundo e de educação afetiva, além de orientação narrativa da minha vida pessoal. Ao lado da relação de contemplação estética, desde cedo veio um interesse muito grande pela crítica da canção, não necessariamente pela crítica musical. Faço essa distinção para explicitar a singularidade da canção como linguagem artística e, nos melhores casos, como forma de pensamento. Foi por conta disso que me aproximei de teóricos da canção, que são também artistas da canção, como Luiz Tatit e José Miguel Wisnik. Ambos responsáveis pela criação de uma perspectiva realmente conceitual sobre a canção popular: o primeiro numa dimensão mais analítica e formal, o segundo, numa dimensão mais ensaística. Embora leitor de biografias, crônicas, análises sociológicas ou antropológicas, tanto a análise formal quanto o ensaio crítico sobre canção foram muito mais decisivos na minha formação.  Em 2016 publiquei o meu primeiro livro sobre canção. O volume de Música da coleção Ensaios brasileiros contemporâneos, da Funarte, que publicou também volumes sobre Política, Psicanálise, Literatura, Gênero, entre outros. No livro organizado por mim, tivemos ensaios de autores como Roberto Schwarz, Antonio Risério, Luiz Tatit, José Miguel Wisnik, Walter Garcia, Vitor Ramil, Cacá Machado e assim por diante. No texto de introdução, “O mistério da canção e o som da música”, afirmo que é necessário ampliar o quadro de referência da crítica em canção, para além do cânone, mas sem necessariamente negá-lo. Chamo de cânone aquele que se debruça sempre sobre a tríade samba carioca da época de ouro, bossa nova e tropicalismo. É pouco. Ampliá-lo significa tanto levar em consideração a produção crítica que trata, por exemplo, do Hip Hop, do punk rock, da música eletrônica, da música caipira, do pop sertanejo ou de projetos originalíssimos como a “estética do frio” do Vitor Ramil, quanto a obra de artistas que, embora próximos ao cânone, não tiveram ainda uma análise equiparável à excelência de sua criação.  Este é o caso de Ronaldo Bastos. Ele é, como digo no livro Hotel Universo: a poética de Ronaldo Bastos (2019), parte integrante do rol de artistas mais inventivos dessa tradição e, ao mesmo tempo, estrangeiro a ela. Ronaldo Bastos é um compositor do mesmo quilate de Chico Buarque, Caetano Veloso, Aldir Blanc, Belchior ou Paulinho da Viola. Escreveu algumas das melhores composições em canção popular no Brasil, casos por exemplo de “Cais”, “Fé cega, faca amolada”, “O trem azul”, “Nada será como antes”, “Cravo e canela”, “Amigo, amiga”, “Dona Olímpia”, “Amor de índio”, “A página do relâmpago elétrico”, “Olho d’água”, “Nuvem cigana”, “Um gosto de sol”, entre muitas outras. Foi gravado pelos melhores artistas da sua geração, como Maria Bethânia, Nana Caymmi, Gal Costa, Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso e, em especial, Beto Guedes, Lô Borges e Milton Nascimento, com quem compôs alguns dos maiores clássicos da história da nossa música popular. Suas canções atravessam movimentações profundas da sociedade e […]

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Tenho uma relação com a canção popular que vem desde criança, como todos os brasileiros. A canção sempre foi para mim uma forma privilegiada de interpretação do mundo e de educação afetiva, além de orientação narrativa da minha vida pessoal. Ao lado da relação de contemplação estética, desde cedo veio um interesse muito grande pela crítica da canção, não necessariamente pela crítica musical. Faço essa distinção para explicitar a singularidade da canção como linguagem artística e, nos melhores casos, como forma de pensamento. Foi por conta disso que me aproximei de teóricos da canção, que são também artistas da canção, como Luiz Tatit e José Miguel Wisnik. Ambos responsáveis pela criação de uma perspectiva realmente conceitual sobre a canção popular: o primeiro numa dimensão mais analítica e formal, o segundo, numa dimensão mais ensaística. Embora leitor de biografias, crônicas, análises sociológicas ou antropológicas, tanto a análise formal quanto o ensaio crítico sobre canção foram muito mais decisivos na minha formação.  Em 2016 publiquei o meu primeiro livro sobre canção. O volume de Música da coleção Ensaios brasileiros contemporâneos, da Funarte, que publicou também volumes sobre Política, Psicanálise, Literatura, Gênero, entre outros. No livro organizado por mim, tivemos ensaios de autores como Roberto Schwarz, Antonio Risério, Luiz Tatit, José Miguel Wisnik, Walter Garcia, Vitor Ramil, Cacá Machado e assim por diante. No texto de introdução, “O mistério da canção e o som da música”, afirmo que é necessário ampliar o quadro de referência da crítica em canção, para além do cânone, mas sem necessariamente negá-lo. Chamo de cânone aquele que se debruça sempre sobre a tríade samba carioca da época de ouro, bossa nova e tropicalismo. É pouco. Ampliá-lo significa tanto levar em consideração a produção crítica que trata, por exemplo, do Hip Hop, do punk rock, da música eletrônica, da música caipira, do pop sertanejo ou de projetos originalíssimos como a “estética do frio” do Vitor Ramil, quanto a obra de artistas que, embora próximos ao cânone, não tiveram ainda uma análise equiparável à excelência de sua criação.  Este é o caso de Ronaldo Bastos. Ele é, como digo no livro Hotel Universo: a poética de Ronaldo Bastos (2019), parte integrante do rol de artistas mais inventivos dessa tradição e, ao mesmo tempo, estrangeiro a ela. Ronaldo Bastos é um compositor do mesmo quilate de Chico Buarque, Caetano Veloso, Aldir Blanc, Belchior ou Paulinho da Viola. Escreveu algumas das melhores composições em canção popular no Brasil, casos por exemplo de “Cais”, “Fé cega, faca amolada”, “O trem azul”, “Nada será como antes”, “Cravo e canela”, “Amigo, amiga”, “Dona Olímpia”, “Amor de índio”, “A página do relâmpago elétrico”, “Olho d’água”, “Nuvem cigana”, “Um gosto de sol”, entre muitas outras. Foi gravado pelos melhores artistas da sua geração, como Maria Bethânia, Nana Caymmi, Gal Costa, Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso e, em especial, Beto Guedes, Lô Borges e Milton Nascimento, com quem compôs alguns dos maiores clássicos da história da nossa música popular. Suas canções atravessam movimentações profundas da sociedade e […]

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