Memória

1876 – O loteamento do balneário Tristeza

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1876 – O loteamento do balneário Tristeza

PORTO ALEGRE 250 ANOS:  HISTÓRIA, FOTOGRAFIA E REPRESENTAÇÕES

1876 – O loteamento do balneário Tristeza: História

Em seu meticuloso Porto Alegre ano a ano; cronologia histórica; 1732-1950 (Porto Alegre, Letras & Vida, 2012), Sérgio da Costa Franco informa que, em março de 1876, “Guilherme Ferreira de Abreu adquiriu por compra uma vasta área de terras… abrangendo parte dos atuais bairros da Vila Conceição, Tristeza, Camaquã, Cavalhada e Vila dos Bancários, e a dividiu em 4.000 lotes de terrenos. Essa área correspondia, em parte, à chácara do falecido José da Silva Guimarães Tristeza, de quem [o bairro] herdou o nome” (Op. cit, p. 99). 

Os demais estudiosos da história do bairro Tristeza limitam-se a citar estes fatos em poucas linhas, sem se preocuparem muito em saber: no que resultou o loteamento deste empreendedor de sobrenome luso? Quantos e que pessoas adquiriram estes 4.000 lotes? E os herdeiros do antigo proprietário de nome luso, onde aplicaram o dinheiro? O que aparece, isto sim, são as narrativas de que os primeiros e principais novos moradores foram italianos e alemães. Novidade nenhuma.  

Outro ponto em comum entre os estudiosos da história do bairro é que, até por volta de 1900, o povoamento era escasso. Pela precariedade das vias de comunicação. O que foi resolvido com o trenzinho da Tristeza (do qual aqui nos ocuparemos futuramente). Foi quando o bairro passou a servir também para residências e serviços de veraneio (hotéis, bares, restaurantes, etc.). Pelas narrativas, sempre com destaque para descendentes de alemães e italianos.  E com isso se consagrando a não escrita de uma Porto Alegre onde os descendentes de origem lusa ou escafederam-se, ou foram viver de rendas. Ou melhor, de aluguéis. O que está mais do que na hora de ser revisto. 

Independente das etnias que estiveram mais ou menos presentes na sua formação e expansão, as características topográficas do bairro, sua ligação com o Guaíba, a beleza natural de sua orla, e até mesmo sua temperatura média, alguns graus abaixo da canícula que o centro apresentava nos meses de verão (Porto Alegre por muito tempo foi uma cidade de muita pedra e pouca árvore), e ainda as dificuldades de acesso ao litoral e ao outro lado do rio, fizeram da Tristeza e este seu primeiro loteamento (independentemente se exitoso ou mal-sucedido) um capítulo especial na história do desenvolvimento urbano da cidade. 


A orla do Guaíba e o balneário da Tristeza: representações

Na variada gama de representações da Tristeza, a fotografia é um verdadeiro caleidoscópio de memórias afetivas. Mas também do pitoresco, como as pedras de sua orla, que sempre chamaram muito a atenção. Por seu formato, algumas chegaram até a ganhar alcunha e registro na primeira revista de variedades de Porto Alegre (Fig. 1). As pedras de sua orla igualmente dialogaram com as palhetas de nossos artistas. Como fez Libindo Ferraz (Porto Alegre, 1897 – 1951), para mostrar que, conforme o dia e a calmaria das águas, elas tornam-se espelhos a refletir a própria cor dos rochedos (Fig. 2). Ou Angelo Guido (Cremona, Itália, 1893 – Pelotas-RS, 1969), para plasmar as raízes tubulares das figueiras e umbus fixando-se nas pedras circundantes (Fig. 3). O mesmo Angelo Guido, pintor assíduo da orla, não se furtou de registrar um dos elementos básicos de sua antiga paisagem: as casas dos pescadores (Fig. 4). Que, muito provavelmente, não eram italianos ou alemães. O fascínio pela orla, e seu pôr-do-sol, continua sendo tema de diferentes manifestações artísticas. Como foi o caso de Maria Tomaselli (Innsbruck, Austria, 1941 – Em atividade), com a sua escultura-composição Para namorar o pôr-do-sol (Fig. 5).          


Fig. 1 – Na Tristeza, a pedra do porco. Foto de Emilio Guimarães, diretor artístico da revista Kodak, 1913. Revista Kodak, ano I, n. 30, 10/5/1913, p.19. Acervo Miguel do Espírito Santo, Porto Alegre – RS.

Fig. 2 –  Paisagem Ribeirinha. Libindo Ferraz, 1924. Aquarela sobre papel, 23 x 31 cm. Museu de Artes do RGS, Porto Alegre, RS.

Fig. 3 – Orla do Guaíba. Angelo Guido, s/data. Óleo sobre tela, 59,5 x 78,0 cm. Acervo Galeria Duque, Porto Alegre – RS.

Fig. 4 – Orla do Guaíba. Angelo Guido, sem data. Óleo sobre tela. Galeria Martini, Porto Alegre
– RS.

Fig. 5 – Para namorar o por-do-sol. Maria Tomaselli, 1993. Estrutura de concreto, revestida com cacos de azulejo, aproximadamente 1,3 m x 5 m x 2,8 m, Calçadão da Avenida Guaíba, Porto Alegre – RS. 

Arnoldo Doberstein é professor e estudioso da história de Porto Alegre.

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