Memória

A cor púrpura da epilepsia

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A cor púrpura da epilepsia
Dizem que o profeta bíblico Ezequiel, que viveu há cerca de 2.600 anos e cujas visões eram narradas no Antigo Testamento, seria o mais antigo caso descrito de epilepsia do lóbulo temporal do cérebro. Na opinião de um neurologista norte-americano, Ezequiel apresentava todos os sintomas clássicos das crises de ausência, que se caracterizam pela origem em descargas parciais no cérebro e podem incluir sensações parecidas com as de um sonho. As visões de Ezequiel, portanto, poderiam ser explicadas pelas alterações de consciência semelhantes a alucinações que estão presentes nas crises parciais complexas – as ausências, que também fizeram parte da minha vida até eu ser submetido a uma bem sucedida neurocirurgia no lobo temporal direito em 1994. Na Antiguidade, quando a epilepsia ainda era considerada uma doença mental causada pelos maus espíritos e pelo demônio, as crises eram associadas ao mal e às forças sobrenaturais. Foi o grego Hipócrates, considerado o pai da Medicina, o primeiro a defender, 400 anos antes de Cristo, que a epilepsia seria uma manifestação clínica de origem cerebral. “Os homens acreditam que a epilepsia é divina meramente porque não a podem entender. Mas, se chamasse divino a tudo o que não podem entender, haveria uma infinidade de coisas divinas”, dizia ele. Até um passado recente, a epilepsia com crises convulsivas recebia o apelido de “grande mal”; a crise de ausência era o “pequeno mal”. Denominações carregadas de estigma. Um dos tabus perversos que envolvem a epilepsia é o de acreditar, ainda hoje, que ela é contagiosa pelo contato com a saliva da pessoa em convulsão. Esta crença acaba gerando medo e afastando as pessoas que presenciam alguém sofrendo uma crise. Mas não é só o medo de contágio que integra o repertório de crendices que perseguem as pessoas com a síndrome e reforçam os estigmas da doença. “Tu tens epilepsia porque deves ter visto, quando criança, teus pais fazendo sexo”, me disse um charlatão a quem cometi a insensatez de procurar quando era mais jovem. Quando se está lutando contra uma doença difícil de tratar – meu caso envolvia uma epilepsia refratária ao controle por medicamentos – corre-se o risco de, em algum momento, recorrer ao pensamento mágico e a opções que fogem totalmente à lógica, ao bom senso e à ciência. Fiquei perplexo depois de ouvir o homem dizer aquela tolice e constrangido por estar ali. Minha primeira reação foi a de terminar a conversa e ir embora.  Este tipo de crendice faz com que muita gente, por ignorância sobre o tema, ainda acredite que a epilepsia esteja associada a aspectos místicos. Relacionar a epilepsia à ideia caricata de loucura ou a algo sobrenatural, grotesco ou cômico é outra forma de estigmatizar a doença e as pessoas que sofrem com esses transtornos. É preconceituoso, por exemplo, usar a expressão “ataque epilético” para se referir a uma reação bizarra, engraçada, assustadora ou fora do controle. Falsos gurus também atribuem a origem da epilepsia a infundados traumas inconscientes e passados – como esse de ver os […]

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