Crônica | Parêntese

Nathallia Protázio: Calamidade privada

Change Size Text
Nathallia Protázio: Calamidade privada Eu gostaria de fazer um apelo, para começar nossa conversa. A próxima vez que você for visitar ou receber a visita de uma pessoa que está passando ou acabou de passar por uma separação, não pergunte o que ela vai fazer agora. Por favor. Pergunte se ela quer companhia pra fazer alguma coisa. Dicas: tomar uma cerveja; ir numa reunião do AA (se for o caso); ir no cinema; comprar umas frutas na feira e comer pastel com caldo de cana; vandalizar o muro da casa do ex – só o muro; fazer uma caminhada na beira da praia; assistir filmes de terror, de guerra, documentários da Segunda Guerra Mundial; fazer uma lista de possíveis maneiras de suicídio na qual o ex pode ser culpabilizado por homicídio – só a lista; comprar umas roupas de piriguete; abrir candidatura à presidência; fazer uma fogueira com livros de autoajuda; escrever uma carta pra Valeska Popozuda agradecendo o hino; fazer uma faxina e jogar o passado no lixo; despachar um trabalho na encruzilhada; oferecer um ombro, um colo, um ouvido… coisas simples assim. Quando a gente passa por situações de calamidade privada o que mais sentimos falta é de banalidades. Não saberia dizer qual mês após o divórcio foi o mais difícil. Agora, assim de sopetão, eu chutaria março. Isso quer dizer, o segundo. Mas, este janeiro de primeiro aniversário foi bem pesado. Demorei umas semanas pra tomar consciência do inferno astral que estava passando. Inferno mesmo. Me peguei, num sábado angustiado, reconhecendo sintomas antigos de uma possível TPM imaginária: mau humor, cansaço generalizado, dores incompreensíveis e um choro preso como soluço. Eu virei a rainha do drama durante o mês mais longo do ano, depois de agosto… Coitados dos meus colegas de trabalho. Lembro que no início da vida de re-solteirice o que mais machucava era ter de repetir todas as mesmas respostas pras mesmas questões. Não levem nada pro lado pessoal, entendo que deve ser difícil manter um certo nível de criatividade nas perguntas quando todos têm as mesmas dúvidas. Tudo bem, eu entendo, juro! Porém, o fato de entender não diminui a dor do tédio de dizer o mesmo algumas milhão de vezes. ‘‘Não sei onde vou morar.’’ ‘‘Não sei onde vou trabalhar.’’ ‘‘Não sei o que vou fazer, além de encher a cara e provavelmente recomeçar tudo do zero, obrigada.’’ E durante meses a minha resposta pra tudo era ‘‘não sei’’, ‘‘Não sei’’, ‘‘NÃO SEI!’’. Com o tempo eu vi o quanto não saber era um caminho – quase que – inédito. Eu poderia praticamente fazer qualquer coisa e um mundo cheio de possibilidades e liberdade se abria atrás da cortina da tristeza. Então, eu tinha que superar toda aquela dor logo para poder aproveitar a liberdade que viria depois. Mas eu desconhecia que a palavra dor é um substantivo coletivo. A gente usa no singular pra dar uma segurada na coisa toda, mas nenhuma dor é só uma. Eu tinha muitas. A dor do fim em si, que […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

Eu gostaria de fazer um apelo, para começar nossa conversa. A próxima vez que você for visitar ou receber a visita de uma pessoa que está passando ou acabou de passar por uma separação, não pergunte o que ela vai fazer agora. Por favor. Pergunte se ela quer companhia pra fazer alguma coisa. Dicas: tomar uma cerveja; ir numa reunião do AA (se for o caso); ir no cinema; comprar umas frutas na feira e comer pastel com caldo de cana; vandalizar o muro da casa do ex – só o muro; fazer uma caminhada na beira da praia; assistir filmes de terror, de guerra, documentários da Segunda Guerra Mundial; fazer uma lista de possíveis maneiras de suicídio na qual o ex pode ser culpabilizado por homicídio – só a lista; comprar umas roupas de piriguete; abrir candidatura à presidência; fazer uma fogueira com livros de autoajuda; escrever uma carta pra Valeska Popozuda agradecendo o hino; fazer uma faxina e jogar o passado no lixo; despachar um trabalho na encruzilhada; oferecer um ombro, um colo, um ouvido… coisas simples assim. Quando a gente passa por situações de calamidade privada o que mais sentimos falta é de banalidades. Não saberia dizer qual mês após o divórcio foi o mais difícil. Agora, assim de sopetão, eu chutaria março. Isso quer dizer, o segundo. Mas, este janeiro de primeiro aniversário foi bem pesado. Demorei umas semanas pra tomar consciência do inferno astral que estava passando. Inferno mesmo. Me peguei, num sábado angustiado, reconhecendo sintomas antigos de uma possível TPM imaginária: mau humor, cansaço generalizado, dores incompreensíveis e um choro preso como soluço. Eu virei a rainha do drama durante o mês mais longo do ano, depois de agosto… Coitados dos meus colegas de trabalho. Lembro que no início da vida de re-solteirice o que mais machucava era ter de repetir todas as mesmas respostas pras mesmas questões. Não levem nada pro lado pessoal, entendo que deve ser difícil manter um certo nível de criatividade nas perguntas quando todos têm as mesmas dúvidas. Tudo bem, eu entendo, juro! Porém, o fato de entender não diminui a dor do tédio de dizer o mesmo algumas milhão de vezes. ‘‘Não sei onde vou morar.’’ ‘‘Não sei onde vou trabalhar.’’ ‘‘Não sei o que vou fazer, além de encher a cara e provavelmente recomeçar tudo do zero, obrigada.’’ E durante meses a minha resposta pra tudo era ‘‘não sei’’, ‘‘Não sei’’, ‘‘NÃO SEI!’’. Com o tempo eu vi o quanto não saber era um caminho – quase que – inédito. Eu poderia praticamente fazer qualquer coisa e um mundo cheio de possibilidades e liberdade se abria atrás da cortina da tristeza. Então, eu tinha que superar toda aquela dor logo para poder aproveitar a liberdade que viria depois. Mas eu desconhecia que a palavra dor é um substantivo coletivo. A gente usa no singular pra dar uma segurada na coisa toda, mas nenhuma dor é só uma. Eu tinha muitas. A dor do fim em si, que […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

RELACIONADAS
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHEUM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHEUM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.