Nossos Mortos

O menestrel do nativismo

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O menestrel do nativismo Sarau Elétrico: Chamamé y otros Gauchismos com Luiz Carlos Borges - Reprodução

O Theatro São Pedro, templo cultural fincado no Centro Histórico de Porto Alegre, é seu derradeiro palco. O cenário fúnebre, sem ser sóbrio, parece a estreia de um show musical, não fosse a presença inexorável do corpo inerte. 

Sobre o caixão o seu indefectível chapéu, preto e de abas largas, mais as bandeiras de duas das suas paixões: o Rio Grande do Sul e o Grêmio Futebol Porto-Alegrense. Ao lado, assentada sobre o pala, a gaita chamamezeira, saudosa das mãos mágicas que a faziam divagar. Os ruídos dos abraços e cochichos se fundem com as suas composições, entoadas numa caixa de som. 

As pessoas choram de alma leve, lamentando a perda, mas inebriadas pelos encantamentos que ele semeou. Familiares, amigos, parceiros ou simplesmente admiradores, se acotovelam ao redor do féretro para um último olhar àquele semblante sereno, de quem partiu com a certeza de ter vivido a plenitude do seu potencial humano e artístico.

Sobre a sua obra pode-se reiterar o que consta dos anais impressos e digitais. Que desde muito jovem iniciou sua carreira no conjunto “Irmãos Borges” em Santo Ângelo, sua terra natal. Formado no curso superior de Música na Universidade Federal de Santa Maria, iniciou carreira solo emprestando sua erudição ao movimento nativista do Rio Grande do Sul, vencendo vários festivais.

Agraciado com o Prêmio Açorianos em diversas oportunidades como compositor, arranjador, intérprete e instrumentista. Gravou mais de vinte álbuns com composições próprias e em parcerias. Seu canto ultrapassou as nossas fronteiras. Foi amigo e parceiro de Mercedes Sosa, seu convidado em shows pelo mundo afora.

Ao par da sua brilhante carreira artística, quero dizer sobre a pessoa de Luiz Carlos Borges. Um homem generoso, que agregava amigos por onde passava. Sua sinceridade arraigada de sabedoria cativava as pessoas à sua volta.

São memoráveis os seus feitos no Festival da Barranca, em São Borja, onde participou por décadas, até que a saúde não mais lhe permitiu. Numa Roda Grande, que são as tertúlias livres que lá acontecem, tocou seu acordeom por vinte e quatro horas, parando apenas para mijar.

Levava músicos e compositores talentosos ao Festival, como foi o caso do argentino Antônio Tarragô Ros. Em outra ocasião, apresentou um rapazote de 17 anos, que nos encantou com seu violão. Tratava-se de Yamandu Costa, o gênio que viria se tornar o maior violinista do Brasil e, quiçá, do mundo. Aliás, era uma característica do Borges “apadrinhar” jovens talentos. Procurava incentivá-los e abria portas para que pudessem seguir suas carreiras no meio musical.

Hoje, 10 de maio de 2023, apagou-se mais uma estrela. E nesta última passagem, lembrando da sua música Coração de Gaiteiro, acredito que ele dirá a São Pedro o mesmo que respondeu a um gendarme na fronteira da Argentina, quando lhe perguntou: “o que levava”? “A alma atada na gaita e a vida num chamamé”.


Nelson Ribas – Advogado, autor de Arrabaldes (editora Metamorfose).

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