Nossos Mortos

Perto do fogo

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Perto do fogo Discos de Rita Lee - Reprodução

Esta é uma crônica ordinária de uma fã medíocre porque a morte me deixa sem palavras. Rita Lee, aquela que passou a vida perto do fogo, morreu esta semana nos deixando em meio a saudades de perto e de longe. 

Geralmente é esta a sensação que fica quando grandes artistas morrem, seja gente jovem como a Marília Mendonça, seja gente mais velha como a Elza Soares, Gal Costa, Madame Lee. Quando uma mulher artista morre leva com ela parte dos nossos sonhos, por mais que os meus sejam assim, ordinários, medíocres, proletários. Mas não vou transformar essa crônica numa ode ao feminismo, que ela não ia gostar.

Se tinha uma coisa que irritava a Rita era essa mania de vocês caretas de querer viver liberdades de acordo com um script. Jeito certo de ser rebelde, roteirinho de como parecer diferente igual a todo mundo. Como se pedindo licença, como que se prevenindo das possíveis críticas de quem vai com certeza nos reprovar – e que bom, e que assim seja.

Por que eu às vezes me pego pensando, que raio de revolta é essa que se preocupa com a opinião do opressor? Onde vamos chegar andando na calçada, fugindo da rua e do meio-fio?

Não sei quando conheci a Rita Lee, talvez ela sempre tenha feito parte das minhas memórias afetivas, afinal não é fácil bater o seu recorde de mais de oitenta temas de novela na televisão. Eu chutaria que o primeiro foi o épico “por isso não provoque, é cor de rosa choque”, mas eu sou de 90 e esse da Tevê Mulher é da década anterior. Vai saber se minha alma já não andava por aí de óculos vermelhos.

Li sua autobiografia bem quando lançaram, aquela capa laranja me pegou em cheio. Fiquei assim, como qualquer leitora de texto em primeira pessoa, super íntima. A partir dali nossa amizade criou mais forma. Porém, eu avisei, sou uma fã medíocre. O único show que a assisti foi numa virada cultural em São Paulo, sua cidade. Nunca vou esquecer daquela cara debochada respirando fundo e dizendo que adorava aquele cheiro de bosta paulistana.

Ela era assim.

(Pausa).

Não sei. Tenho estado meio assim, fora de órbita, desligada, sem palavras. Uma amiga de Santa Maria falava comigo pelo whatsapp momentos antes de eu saber da morte da nossa roqueira-mor. Eu estava lhe contando de uma forte dor no peito que sentia sem motivo naquela manhã, pois, como seria possível? Fiz terapia ontem, conversei com a Nicole e fiquei numa boa. E de repente eu emudeci. 

[9/5 2:00 PM] Amiga de Santa Maria: na última coletiva pública da Rita, ela dizia alguma coisa mais ou menos assim: me deixem envelhecer com dignidade e morrer na paz, a morte vem pra todos e eu vivi uma vida bem intensa.

[9/5 2:01 PM] Amiga de Santa Maria: acho que ela tava meio que pedindo pra gente humanizar ela, não sei.

Eu chorei bastante, fui ao banheiro e não me segurei. A dor no peito começou a passar com as lágrimas que se soltaram da corda apertada que carrego todo dia. Minha amiga continuou a me consolar.

[9/5 2:04 PM] Amiga de Santa Maria: Fiquemos tristes por essa perda – (seria significativo se pudéssemos estar tristes juntas) e papear ou não, ou ouvir a Rita juntas. Na tentativa de um consolo barato com gosto de cerveja morna.

Eu não consegui responder nada além de um emoji sem graça e uma interjeição quase como um ai. A morte me deixa sem palavras, mas a morte de uma mulher artista, leva um pedaço de sonho de liberdade junto, mesmo que amanhã eu possa me lembrar de todo o seu legado, hoje estou ainda triste.


Nathallia Protazio é escritora, farmacêutica e também edita a Revista Parêntese. Opine: [email protected]

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