Operação Cais Mauá

Atrás do Porto Tem Uma Cidade

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Atrás do Porto Tem Uma Cidade O Homem que Copiava em cena no Cais (Fotograma do filme) Foto: Alex Sernambi

No longínquo ano de 1982 eu fiz um especial de fim de ano na TVE-RS, um documentário afetivo sobre a cidade onde nasci e sempre morei. Chamava “Atrás do Porto Tem Uma cidade”, como o disco da Rita Lee. Filmei pela cidade toda, entrevistei muita gente boa, L.F. Veríssimo, Xico Stockinger, Sergio Jockyman, Mário Quintana, Moacyr Scliar, Moacir Flores, Edgar Vasques, Santiago, muitos moradores da cidade. 

Um dos comentários mais frequentes era a saudade que todos tinham do rio Guaíba, da relação que a cidade perdeu com o rio, escondido atrás do muro da Mauá, que muitos – inclusive eu – queriam derrubar. Os armazéns do cais, grandes espaços na zona mais nobre da cidade, estavam cada vez mais vazios, desocupados, uma pena. A lamentação continua a mesma, há 40 anos.

O Homem que Copiava: Lázaro Ramos e Leandra Leal quebram a ociosidade quase permanente do lugar. Fotos: Alex Sernambi.

Na virada do século alguns armazéns do cais foram usados como estúdio, filmei dois longas e um curta num deles. Os apartamentos de O Homem que Copiava e Meu Tio Matou Um Cara, o sertão de Canudos em A Matadeira, foram erguidos nos armazéns do cais, e cenas com som valendo às vezes eram interrompidas pela passagem de um navio. Algumas feiras e eventos – Bienal, Feira do Livro – também aconteceram por lá, mas a ociosidade quase que permanente do espaço mais nobre da cidade há 40 anos depõe contra a inteligência da cidade.

Curta-metragem A Matadeira: o armazém estava ocupado com muitas toneladas de sal. (Foto: acervo Casa de Cinema)
A gigantesca maquete de Canudos, em A Matadeira, feita por Fiapo Barth e Gaspar Martins. (Foto: acervo Casa de Cinema)

Há muitas explicações possíveis para o abandono do cais, uma delas certamente é a burrice, nossa, a burrice pública, política, uma estupidez cívica que, de alguma maneira, ignora benefícios coletivos óbvios e mira, acerta e acaba numa tolice, que faz mal a todos. Mais ou menos como a eleição do Bolsonaro. 

O cais e seus armazéns, a origem da cidade, a beira do rio junto ao centro da cidade, com vista para as ilhas e para o pôr-do-sol, estão trancados, chaveados, murados, abandonados, há quarenta anos. Eu não sei como se administra uma cidade, mas sei que não é assim.


Jorge Furtado – Diretor e roteirista. Entre seus filmes estão O Homem que Copiava (2003), Meu Tio Matou um Cara (2005) e o curta-metragem A Matadeira (1994), que foram gravados no espaço do Cais Mauá.

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