Nossos Mortos | Parêntese

Paula Dip: Serendipity, a vida encantada de Antônio Bivar

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Paula Dip: Serendipity, a vida encantada de Antônio Bivar Em 2019, Bivar por Kikyto Amaral (Foto: Kikyto Amaral/cedido) Ele era alegria pura, inteligência, sensibilidade, chiqueza e beleza, inatas, como poucos. Era tão belo no auge dos seus 40 anos que gostávamos de chamá-lo de Harrison Ford. Adorava ver e comentar concursos de miss. Era o único amigo que fazia isso. Não foi por acaso que Martha Rocha, a miss eterna do Brasil, levou-o de braços dados até o céu; para perto do irmão Leopoldo, o pai Disco e a mãe Mina, que morreu em abril de 2000.  Antônio Bivar Battistetti de Lima sempre sentia muita falta de Mina: eles se davam muito bem, ela contava sorridente que em sua infância o menino sapeca saiu “andando sozinho aos onze meses de idade” e nunca mais parou: flanêur par excellence, trafegava à vontade pelo centro em Sampa e de Londres, e de todo e qualquer lugar do mundo, adorava viajar e inventar novidades, foi até Aracataca, onde nasceu García Márquez, visitou várias vezes a casa de Virginia Woolf em Rodmell e viu o rio Ouse em várias estações. E decidiu, pela altura das águas, que a melhor estação para morrer no rio era a Primavera.  Virginia sempre foi um capítulo à parte da vida dele. Conheceu-a cedo, em 73, quando leu a primeira tradução de As ondas e ‘foi fisgado’. Passou a saber tudo dela e a dividir conosco. Ele vivia se divertindo e iluminando a nossa convivência com achados, textos, crônicas, fazia críticas definitivas, reportagens cultas e mundanas que escrevia à mão (e desenhava) em cadernos, durante as viagens, e depois publicava em jornais e revistas.  Foi muitas vezes meu conselheiro. Dividimos uma serendipity que adoro contar: certa vez, no Verão londrino de 1987, eu morava em Londres, na Colebrook Row, e saí à janela no exato momento que ele passava pela rua. Lá estava Bivar, quase diante do meu portão, sem nenhum aviso; ele procurava a casa de um dramaturgo, Joe Orton, que havia sido assassinado pelo namorado. E morava ali perto. Eu tinha acabado de ler Os diários de Joe Orton, que imediatamente dei a ele. Foi tudo tão rápido que esqueci de assinar uma dedicatória. Ele assinou o livro por mim, e me mandou depois numa carta: Desde que você me deu o livro não parei mais de lê-lo e na primeira página coloquei assim: A PAULA DIP’S GIFT FROM LONDON TO BIVAR, São Paulo, 19 de janeiro de 87. Entrou em casa, tomamos um café, e fomos andar pela cidade, e finalmente almoçamos num pub, em Islington/Angel, onde eu morava quando *estava nos anos finais da BBC. E ele ainda incluiu no envelope da carta uma ótima foto, retrato de um dos momentos mais felizes da minha vida. Nunca saía sem sua máquina fotográfica.  Antônio, confirmam amigos nacionais e internacionais, estava sempre no lugar certo e na hora certa. Seu anjo da guarda era poderoso. Salvou-o de um acidente de carro, na rodovia Anhanguera: a Brasília deu perda total mas ele saiu ileso; anos depois sofreu […]

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Em 2019, Bivar por Kikyto Amaral (Foto: Kikyto Amaral/cedido) Ele era alegria pura, inteligência, sensibilidade, chiqueza e beleza, inatas, como poucos. Era tão belo no auge dos seus 40 anos que gostávamos de chamá-lo de Harrison Ford. Adorava ver e comentar concursos de miss. Era o único amigo que fazia isso. Não foi por acaso que Martha Rocha, a miss eterna do Brasil, levou-o de braços dados até o céu; para perto do irmão Leopoldo, o pai Disco e a mãe Mina, que morreu em abril de 2000.  Antônio Bivar Battistetti de Lima sempre sentia muita falta de Mina: eles se davam muito bem, ela contava sorridente que em sua infância o menino sapeca saiu “andando sozinho aos onze meses de idade” e nunca mais parou: flanêur par excellence, trafegava à vontade pelo centro em Sampa e de Londres, e de todo e qualquer lugar do mundo, adorava viajar e inventar novidades, foi até Aracataca, onde nasceu García Márquez, visitou várias vezes a casa de Virginia Woolf em Rodmell e viu o rio Ouse em várias estações. E decidiu, pela altura das águas, que a melhor estação para morrer no rio era a Primavera.  Virginia sempre foi um capítulo à parte da vida dele. Conheceu-a cedo, em 73, quando leu a primeira tradução de As ondas e ‘foi fisgado’. Passou a saber tudo dela e a dividir conosco. Ele vivia se divertindo e iluminando a nossa convivência com achados, textos, crônicas, fazia críticas definitivas, reportagens cultas e mundanas que escrevia à mão (e desenhava) em cadernos, durante as viagens, e depois publicava em jornais e revistas.  Foi muitas vezes meu conselheiro. Dividimos uma serendipity que adoro contar: certa vez, no Verão londrino de 1987, eu morava em Londres, na Colebrook Row, e saí à janela no exato momento que ele passava pela rua. Lá estava Bivar, quase diante do meu portão, sem nenhum aviso; ele procurava a casa de um dramaturgo, Joe Orton, que havia sido assassinado pelo namorado. E morava ali perto. Eu tinha acabado de ler Os diários de Joe Orton, que imediatamente dei a ele. Foi tudo tão rápido que esqueci de assinar uma dedicatória. Ele assinou o livro por mim, e me mandou depois numa carta: Desde que você me deu o livro não parei mais de lê-lo e na primeira página coloquei assim: A PAULA DIP’S GIFT FROM LONDON TO BIVAR, São Paulo, 19 de janeiro de 87. Entrou em casa, tomamos um café, e fomos andar pela cidade, e finalmente almoçamos num pub, em Islington/Angel, onde eu morava quando *estava nos anos finais da BBC. E ele ainda incluiu no envelope da carta uma ótima foto, retrato de um dos momentos mais felizes da minha vida. Nunca saía sem sua máquina fotográfica.  Antônio, confirmam amigos nacionais e internacionais, estava sempre no lugar certo e na hora certa. Seu anjo da guarda era poderoso. Salvou-o de um acidente de carro, na rodovia Anhanguera: a Brasília deu perda total mas ele saiu ileso; anos depois sofreu […]

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