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A mobilidade para a diversidade

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A mobilidade para a diversidade

Planejar mobilidade urbana vai além de projetos pontuais, de ciclovias ou reestruturação de vias, (que são extremamente importantes, mas não suficientes). Uma cidade com um bom padrão de mobilidade deve viabilizar que a população realize os deslocamentos necessários para desenvolver suas atividades de forma eficiente, segura e agradável. Mas o planejamento de mobilidade precisa atender às necessidades de toda a diversidade de usuários da cidade.

Ampliar os deslocamentos a pé e por bicicleta é altamente desejável por vários motivos, por questões de saúde (uma população que pratica exercício é mais saudável); por questões econômicas individuais (são mais baratos); mas principalmente por questões ambientais e pela eficiência sob o ponto de vista de uso do espaço. Modos ativos de deslocamento contribuem para a qualidade do espaço urbano (uma região com pedestres e ciclistas é mais viva, mais agradável). Investimentos em ambientes com calçadas confortáveis, espaços agradáveis e seguros, com uma combinação de comércio, serviços e residências, que estimulem a população a realizar seus deslocamentos a pé, traz retornos econômicos. Estudos desenvolvidos em algumas cidades, inclusive brasileiras, indicam que imóveis em áreas caminháveis tendem a ser mais valorizados. (Este é um assunto muito rico, que vale uma grande discussão por si só).

Mas deslocamentos a pé e por bicicleta têm limitações. Uma grande parcela dos deslocamentos da cidade não é compatível com estes modos, seja pelas características do usuário (idade, condições de saúde), pela distância a ser percorrida, ou por outras características como o motivo da viagem. 

Pessoas planejam suas viagens considerando uma série de fatores: o tempo de viagem, custo, conveniência e segurança do deslocamento completo, da origem ao destino, para o horário e particularidades da atividade. Uma rede de ciclovias disponível na orla do Guaíba e no centro da cidade pode ser adequada para o deslocamento de estudantes que residam na Cidade Baixa ou Menino Deus e se destinam ao campus central da UFRGS, por exemplo, mas não viabiliza o deslocamento de um grande número de pessoas, como moradores do extremo sul da cidade que se deslocam ao centro para o trabalho. As distâncias são muito longas e as ciclovias não têm continuidade que garantam condições seguras para todo o percurso. Um sistema de transporte coletivo eficiente e aderente às necessidades da população é a espinha dorsal da mobilidade urbana.

Não raro, usuários desenvolvem atividades concatenadas, de casa para trabalho, almoço, estudo, compras, uma eventual atividade de lazer e retorno à casa. Este padrão de atividades, cada vez mais frequente, torna ainda mais complexas as decisões sobre o conjunto de deslocamento que precisam ser realizados durante o dia. As pessoas tomam decisões sobre destinos e modos de viagens considerando a conveniência das alternativas disponíveis.

Assim como o censo realizado pelo IBGE é essencial para subsidiar definições de investimentos e ações sociais, pesquisas que levantem o padrão de deslocamentos de uma cidade são importantes para subsidiar o planejamento da mobilidade urbana. 

Pessoas se deslocam para viabilizar suas atividades. Conhecer as características da população e seus deslocamentos, origens, destinos, horários, motivos das viagens e modos utilizados são essenciais para subsidiar projetos de mobilidade urbana. A última pesquisa origem-destino abrangente de Porto Alegre foi realizada em 2003. A cidade sofreu imensas transformações nestes 18 anos.

Porto Alegre é uma cidade dinâmica, que passa por transformações urbanísticas muito rapidamente, regiões se adensam, novos bairros surgem, shopping centers. Soluções de mobilidade, mesmo adequadas para um determinado período, muito provavelmente não serão adequadas após o adensamento das edificações, a construção de um novo bairro, ou mudanças no uso do solo que transformam zonas residenciais em áreas dedicadas a serviços e comércio, como acontece em várias regiões da cidade.

Agregando mais uma dificuldade a este assunto, é preciso considerar que assim como a cidade, os hábitos e necessidades da população também se alteram em decorrência das condições econômicas do país e de mudanças culturais e tecnológicas. A posse do automóvel não é mais tão valorizada para uma parcela da população, como era há algum tempo. Uma crescente consciência ambiental vem lentamente promovendo mudanças de valores, que tem levado à valorização da bicicleta e dos deslocamentos a pé nas áreas urbanas. 

A evolução tecnológica, em especial a revolução produzida pelos smartphones afetou todos os setores da economia, e está revolucionando o setor de transportes. Serviços por aplicativos tem impactado fortemente a mobilidade urbana. As mudanças promovidas pela internet móvel são drásticas, e desafiam o papel dos órgãos públicos, que tem a função de prover e controlar os serviços de transportes. A internet móvel permite que a sociedade se organize, e crie novas soluções de transportes com uma velocidade maior do que a estrutura organizacional do estado é normalmente capaz de lidar. 

Bem, toda esta discussão seria perfeitamente válida se este texto tivesse sido escrito em fevereiro de 2020, quando surgiu uma pandemia mundial. Pessoas passaram a realizar trabalhar remoto, as instituições se reorganizaram, mudanças nos hábitos e no setor produtivo continuam ocorrendo e ainda há muita especulação sobre como será a vida quando retornarmos a algum novo normal.

A mobilidade urbana em Porto Alegre tem jeito? Eu diria que sim, desde que os agentes envolvidos se conscientizem de que estamos em um período de grande transformação tecnológica e cultural. A disponibilidade de internet móvel permite que a sociedade crie novas soluções de mobilidade a uma velocidade maior que o poder público tem conseguido gerenciar. Os modelos de contratos, funções e a atuação das instituições precisam se ajustar a esta realidade. As mudanças nos valores, hábitos e padrões de deslocamentos da população têm sido muito rápidas. O planejamento da mobilidade urbana precisa ser baseado em informações consistentes sobre as necessidades da população para se ajustar a estas mudanças.

Relembre

  • A manifestação das desigualdades sociais na mobilidade urbana também foi tema de artigo escrito pelo arquiteto e urbanista Pedro Xavier de Araujo, mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Ufrgs. Leia o texto veiculado na Matinal News em novembro de 2020.

Helena Beatriz Bettella Cybis é engenheira Civil pela UFRGS e PhD em Engenharia de Transportes pela Universidade de Leeds, Inglaterra. Professora titular da Escola de Engenharia da UFRGS, coordena o Laboratório de Sistemas de Transportes da Escola de Engenharia da UFRGS

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