Resenha

Livro de estreia de Maria Petrucci

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Livro de estreia de Maria Petrucci

prelúdios, livro de estreia de Maria Petrucci, lançado em outubro do ano passado, surpreende e encanta desde a capa: sobre um fundo uniforme vermelho-urucum, uma menina caminha, desembaraçada. O desenho é de Lara Fuke, que também criou com muita graça diversas ilustrações intercaladas ao longo do texto. Parece um livro juvenil: exprime o movimento afirmativo, singular e plural ao mesmo tempo, de uma nova geração que se lança na aventura e no desconhecido. Maria reuniu, aos 25 anos, o que vem escrevendo desde os dezoito para falar de suas experiências, indagações (sobre os grandes temas do amor e da morte), sonhos, lembranças, viagens, para examinar as minúcias dos seus afetos, a maneira como ela se vê e como vê os seres que a rodeiam, a própria estranheza, enfim, que há no mundo. 

Mas não se trata de um simples relato de experiências pessoais. Desde as primeiras linhas se percebe um lastro de leituras, literárias, filosóficas, que dão consistência e outra dimensão ao que é vivido e narrado. No prefácio ela escreve que todo livro começa no nada, numa clara referência à abertura do Grande sertão: veredas de Guimarães Rosa, à travessia do rio-mar da linguagem. Mas escrever é transformar o que se leu, é seguir adiante e necessariamente inventar, criar uma sintaxe própria, um estilo. E isso se percebe de imediato no modo ligeiro, crepitante, de dispor e de emendar as frases, movidas pela chama devoradora do pensamento e das palavras. A escrita, quando se avizinha da melhor literatura, é fluxo, magma, é um impulso que ultrapassa normas e fronteiras como as dos gêneros literários. Daí a alternância muito significativa e muito compatível, nesses textos, entre prosa e poesia. Os versos surgem não como um apêndice ou um ornamento, e sim como uma modulação sutil da voz, da velocidade ou da ênfase daquilo que está sendo dito. 

Mas o que mais surpreende, tanto nos versos como nas prosas, é uma maturidade precoce, incomum, que se observa na clareza, na lucidez, na leve ironia da escrita. Mais do que assimilar o que a teoria ensina, Maria lê o que o corpo lhe fala (“meu corpo me fala em linguagem alienígena”, ela escreve). E é assim porque ela sente que a linguagem mesma é um corpo que sofre (a narrativa da morte de um cachorro picado por abelhas, em “revelação”, enxameia e faz o leitor sentir picadas por toda parte); é um corpo que fabula nas turbulências do ar e se multiplica em outras vidas, em outros lugares. Uma passagem de “72 avenue de wagram” diz indiretamente o que ela buscou e faz no livro: um pacto de dramaticidade com o mundo, não para contar o que aconteceu, mas para “fabricar tempo”. Pois é o tempo, com todo o seu mistério, que atravessa de ponta a ponta, deixando como que rugas num rosto juvenil, esses prelúdios

Melhor do que esta breve apresentação é ler alguns trechos desse livro instigante e luminoso que marca um tempo e um lugar, escrito sem pretensões mas com certeza destinado a uma memória forte no futuro. Porque a fonte de que ele emana é juventude temperada de poesia, tão necessária neste mundo atribulado e envelhecido que vivemos. Para mim, que tenho idade para ser avô de Maria, ele chega como uma promessa e um bálsamo. 

Para ler os trechos clique a seguir sobre os links:


Paulo Neves escritor e tradutor.

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