Resenha

No mais ancestral dos espelhos

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No mais ancestral dos espelhos
Livro de estreia da historiadora e tradutora Julia da Rosa Simões é como um giro no tempo, uma Fita de Möebius que une passado e futuro em um circuito pela ancestralidade Uma das melhores sensações ao se fechar um livro, entregando-o de volta à cabeceira da cama, como lido, são os portais que ele inaugura na gente. E neste sentido A Estranha Ideia de Família, obra de estreia da historiadora Julia da Rosa Simões, é como um caleidoscópio de caminhos, girando em nossa mente durante a leitura e depois dela. Dentre tantas chaves, pego primeiramente a da ancestralidade sob o ponto de vista do feminino e, se me permite o leitor uma ousadia, convido-o a empreender essa viagem ao fundo do outro que, ao se tratar de uma mesma família, acaba sendo, também, o fundo de nós mesmos. No início deste ano, li e escrevi minhas impressões sobre o romance Com Armas Sonolentas, de Carola Saavedra. Embora narrado em uma chave não-realista, para além do cânone literário ocidental – Carola nos coloca capivaras falando e outros delírios do inconsciente em cena -, ambas as autoras promovem com maior ou menor intenção uma imersão na ancestralidade desvelando a biografia das mulheres da família em uma cultura patriarcal de apagamento do feminino. Enquanto Carola, em seu quinto romance, embarca nessa viagem desconsiderando a chave da razão, Julia nos conduz a suas descobertas de mãos dadas com seus estudos sobre micro-história. Ela nos abre suas anotações de leitura, um guia aos umbrais da memória, limpa constantemente o terreno dos vestígios, perguntando-se o que é de fato um fato, qual a armadilha escondida em uma lembrança, o que oculta o que fala, o que desnuda o que silencia.  Em sua narrativa íntima a fim de resgatar rastros do passado de uma família onde paira, reinante, um pacto de silêncio, consigo enxergar Julia e seus olhos escuros, profundos, muito acesos, espiando nas frestas dos segredos: “Como em todas as famílias, a minha tem sua cota de histórias varridas para baixo do tapete”, começa dizendo. Consigo divisá-la em suas perguntas certeiras, meio de lado, ingressando vagarosamente no espólio da memória, que é do outro mas que também é dela. Essa coreografia investigativa pode ser reconhecida na organização do livro e na elegância do texto, limpo, direto, porque Julia, generosa, vai dividindo com o leitor a jornada, seus percalços, as casas em que anda e aquelas a que retorna no tabuleiro. A autora não abusa da emoção nas palavras, ao contrário, a economiza, para que impere o fluxo dos acontecimentos. “A estranha ideia de família” se alternando a cada passo, sempre em movimento, em um ritmo de suspense e drama que beira a ficção, de quase inacreditável. Na talvez mais célebre abertura de livro de que se tem notícia, Tolstói dá início a Anna Karenina avisando: “Todas as famílias felizes se parecem entre si, as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. Não que Julia conte a história de uma família infeliz, assim, no coletivo, não […]

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