Resenha

Ronald Augusto: “O Brasil é uma coisa do Passado”

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Ronald Augusto: “O Brasil é uma coisa do Passado” Ronald Augusto (Foto: Santiago Fontoura)

Quem diz menos, escreve demais? No caso do recente lançamento de Ronald Augusto, o que importa é o conteúdo. Em E mais não digo (Editora Casa Verde, Porto Alegre, 2023), o poeta, crítico literário, compositor e mestre em Literatura Brasileira (UFRGS) provoca e muito. Ronald reúne, em pequenos textos, alguns aforismos e insights poéticos com fina ironia e alguma melancolia, e não por acaso a epígrafe é de Machado de Assis. O autor dá uma geral na produção literária em especial a poesia, passando pela mídia e os recentes episódios políticos que assolam o país. A visão crítica de um militante da causa do povo preto do Brasil perpassa todo o livro.

Poucos escapam, pessoas e fatos, à argúcia ferina, leonina, o signo do autor de À Ipásia (2016). Quase ninguém sobrevive incólume, sejam jovens poetas, pretendentes, ou autores renomados, como Monteiro Lobato. Voltando aos confrades da lírica, aí sobra para muita gente: “o leitor consegue suportar um livro ruim em prosa, vai até o fim; lista dos mais vendidos comprovam isso. Mas um livro de poesia, nem digo ruim, mediano, é intolerável”, dispara à queima-roupa.

Como consta na orelha desta bela edição da Casa Verde: “Ronald Augusto, um inquieto e experimentalista ousado, sem trair a poesia”, é o que aponta Oswaldo de Camargo. Guto Leite, no posfácio, celebra: “se não posso dizer que é o melhor livro de Ronald, afirmo com tranquilidade que temos uma espécie de livro de síntese de uma trajetória, de uma posição, de um espírito que faz eco a obras como Itinerário de Pasárgada, com textos canônicos de Bandeira, ou Sem Trama e sem final, coletânea mais recente de Tchekhov”.

Mesmo com tanta verve em riste, Ronald se rende a Manuel Bandeira, por exemplo, para ele “sem dúvida o melhor”, proclama desde o título, e segue: “a suposta humildade de Bandeira também não é a música de Manuel Bandeira. A humildade é a fábula. Joaquim Pedro de Andrade, em seu curta-metragem O Poeta do Castelo, filmou muito bem esse personagem da poesia de Manuel Bandeira. Entretanto, sua música não se esgota nessa virtude clichê”. 

Por sua própria trajetória de poeta e de crítico, Ronald Augusto sabe muito bem que jamais colocaria, por exemplo, o bardo Manuel na mesma prateleira de Monteiro Lobato, que já há algum tempo vem afundando em seus pés de barro. Ronald apenas contribui com sua pá de cal: “Lobato era um supremacista branco decepcionado com o fato do Brasil não ser capaz de abrigar uma sucursal Ku Klux Klan”, afirma. E no mesmo texto, para não dizer que não esqueceu do lugar onde vive, completa: “O Brasil é uma coisa do passado”.Organizador da Obra Reunida de Oliveira Silveira (1941-2009), a quem devota admiração e respeito, Ronald Augusto mantém o senso crítico aguçado de quem sabe de que lado está. Isso pode ser observado neste seu novo livro, desde a Overture; contém ironia ao longo desta pequena e provocativa reunião de textos, até às últimas palavras – “e mais não digo”.


José Weis é jornalista.

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