Revista Parêntese

Editorial: Parêntese 18

Change Size Text
Editorial: Parêntese 18 Vamos ser francos: ninguém sabe nada sobre o futuro. Serão duas semanas a mais? Dois meses? Todo o semestre? Depois passa? O futuro, esse valor tão sutil e decisivo, que orienta a vida quase toda. É por ele que a gente levantava de manhã, adultos indo trabalhar – pelo produto, pelo salário, pela aposentadoria, qualquer dessas coisas que vivem sempre no futuro – e crianças e adolescentes indo pra escola – pelo aprendizado, pela nota, pelos amores fortuitos, qualquer dessas coisas que quase sempre vivem no futuro.  Mata-se pelo passado: pela ofensa, pelo roubo, pela palavra pesada – qualquer coisa no passado.  (Furou minha teoria, que ia tão parelhinha: mata-se também pelo futuro – ou os estadunidenses não teriam agora presença militar de uma miríade de lugares no planeta, para garantir fluxos futuros.) E tem, no meio disso tudo, um sentimento que eu tendo a achar exagerado: o de que só nós é que vivemos uma (má) revolução como a presente. Nunca antes, em nenhum momento ou quadrante, etc.  Por que eu acho exagerado: porque eu li o Camões – segunda vez em duas semanas que ele é conjurado aqui nesta mesa-branca de reportagem, ideias e boas histórias que é a Parêntese.  Um soneto daqueles sublimes: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,Muda-se o ser, muda-se a confiança;Todo mundo é composto de mudança,Tomando sempre novas qualidades.Continuamente vemos novidadesDiferentes em tudo da esperança; Do mal ficam as mágoas na lembrança,E do bem, se algum houve, as saudades.O tempo cobre o chão de verde mantoQue já coberto foi de neve fria,E enfim converte em choro o doce canto.E afora este mudar-se cada diaOutra mudança faz de mor espanto:Que não se muda já como soía. Este “soía” é verbo que a gente não usa mais, mas ainda dá os ares da graça na expressão “como sói acontecer”. Reconheceu? Isso: soer é costumar.  O que o velho e sábio Camões sacou: que tudo muda, como sempre, mas o jeito de mudar mudou. O jeito: a velocidade? A força? A abrangência?  Boa, Camões. Em 1570 ou em 2020 podemos dizer a mesma coisa.  Esta semana a OSPA completou 70 anos; Porto Alegre também fez aniversário. Orquestra e cidade lembram a vida de nosso entrevistado da semana, Francisco Marshall. Professor de História Antiga na UFRGS, especialista em Grego Clássico, músico amador, arqueólogo, inventor do StudioClio, o Chico é uma grande figura de Porto Alegre.  Mas as fotos da edição nada têm a ver com isso. São uma coletânea comovente de imagens produzidas por Luiz Eduardo Robinson Achutti, um cara consagrado no metiê fotográfico, professor do Instituto de Artes da UFRGS, com formação em Antropologia. Achutti usa suas lentes para pensar sobre a vida – neste caso, para protestar contra o fim dos trens de passageiro no estado. Quem tem mais de 50 anos andou por aí neste veículo fantástico, que redesenhou o mundo ao longo de sua vida, de mais de 150 anos. O Brasil escolheu, burramente, a rodovia, para tudo. Que merda. Na reportagem, uma visita a […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

Vamos ser francos: ninguém sabe nada sobre o futuro. Serão duas semanas a mais? Dois meses? Todo o semestre? Depois passa? O futuro, esse valor tão sutil e decisivo, que orienta a vida quase toda. É por ele que a gente levantava de manhã, adultos indo trabalhar – pelo produto, pelo salário, pela aposentadoria, qualquer dessas coisas que vivem sempre no futuro – e crianças e adolescentes indo pra escola – pelo aprendizado, pela nota, pelos amores fortuitos, qualquer dessas coisas que quase sempre vivem no futuro.  Mata-se pelo passado: pela ofensa, pelo roubo, pela palavra pesada – qualquer coisa no passado.  (Furou minha teoria, que ia tão parelhinha: mata-se também pelo futuro – ou os estadunidenses não teriam agora presença militar de uma miríade de lugares no planeta, para garantir fluxos futuros.) E tem, no meio disso tudo, um sentimento que eu tendo a achar exagerado: o de que só nós é que vivemos uma (má) revolução como a presente. Nunca antes, em nenhum momento ou quadrante, etc.  Por que eu acho exagerado: porque eu li o Camões – segunda vez em duas semanas que ele é conjurado aqui nesta mesa-branca de reportagem, ideias e boas histórias que é a Parêntese.  Um soneto daqueles sublimes: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,Muda-se o ser, muda-se a confiança;Todo mundo é composto de mudança,Tomando sempre novas qualidades.Continuamente vemos novidadesDiferentes em tudo da esperança; Do mal ficam as mágoas na lembrança,E do bem, se algum houve, as saudades.O tempo cobre o chão de verde mantoQue já coberto foi de neve fria,E enfim converte em choro o doce canto.E afora este mudar-se cada diaOutra mudança faz de mor espanto:Que não se muda já como soía. Este “soía” é verbo que a gente não usa mais, mas ainda dá os ares da graça na expressão “como sói acontecer”. Reconheceu? Isso: soer é costumar.  O que o velho e sábio Camões sacou: que tudo muda, como sempre, mas o jeito de mudar mudou. O jeito: a velocidade? A força? A abrangência?  Boa, Camões. Em 1570 ou em 2020 podemos dizer a mesma coisa.  Esta semana a OSPA completou 70 anos; Porto Alegre também fez aniversário. Orquestra e cidade lembram a vida de nosso entrevistado da semana, Francisco Marshall. Professor de História Antiga na UFRGS, especialista em Grego Clássico, músico amador, arqueólogo, inventor do StudioClio, o Chico é uma grande figura de Porto Alegre.  Mas as fotos da edição nada têm a ver com isso. São uma coletânea comovente de imagens produzidas por Luiz Eduardo Robinson Achutti, um cara consagrado no metiê fotográfico, professor do Instituto de Artes da UFRGS, com formação em Antropologia. Achutti usa suas lentes para pensar sobre a vida – neste caso, para protestar contra o fim dos trens de passageiro no estado. Quem tem mais de 50 anos andou por aí neste veículo fantástico, que redesenhou o mundo ao longo de sua vida, de mais de 150 anos. O Brasil escolheu, burramente, a rodovia, para tudo. Que merda. Na reportagem, uma visita a […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

RELACIONADAS
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHEUM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHEUM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.