Editorial | Revista Parêntese

Parêntese #226: Como assim?

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Parêntese #226: Como assim? Foto: Gustavo Mansur/Palacio Piratini

Amigos de fora do Rio Grande amado me abordaram, nesses custosos dias, com uma pergunta que girava em torno de um mistério. Me apresso a dizer que é mistério para eles e igualmente para nós. 

Um deles vocalizou assim a perplexidade: como foi que um Estado culto, educado, politizado, foi dar nisso – ter dirigentes tão…, tão assim como são? 

Ele se referia ao prefeito Melo (“Fiquei de cara, Melo!”, conforme o tracadilho do Demétrio Xavier ilustrado pelo Santiago, em torno do cavalo tostado batizado de Caramelo) e ao governador Leite (aquele que foi capaz de sugerir que era melhor diminuir as doações para não prejudicar o comércio local – enormidade da qual ele se retratou uns dias depois, é bem verdade). 

Na terra do Orçamento Participativo, no estado que soube organizar o Fórum Social Mundial, exemplos de mobilização coletiva tomados como modelares para entidades internacionais relevantes como a ONU, agora temos governantes que não souberam liderar as ações emergenciais. Na terra que viu nascer uma figura como José Lutzenberger e da AGAPAN, agora há governantes capazes de atropelar os mais elementares cuidados com o meio-ambiente, bastando ver as leis sugeridas por eles. 

Sim, um enigma, que não se resolve numa conversa simples. 

Tem a ver com o antipetismo, que é o velho anticomunismo do tempo da Guerra Fria, mas de roupa nova. Tem a ver com certa elite que despreza o povo real, povo ao qual essa fração de elite não proporcionou a adequada escola, por gerações sem fim.

Tem a ver com a força ideológica que o agro vocaliza, agora a partir de Goiás e Mato Grosso, com líderes que são filhos e netos de gente das antigas colônias minifundiárias daqui. 

Tem mais o viés reacionário da gente de origem minifundiária: ao mesmo tempo que o minifúndio gera uma classe média com condições boas de vida, instila nos seus membros um sentido de arraigado conservadorismo, favorável, nos últimos anos, à pregação bozozoide.

Outro elemento: a imensa presença militar no estado, num estado que foi a única fronteira viva do Brasil com o mundo hispânico. As Forças Armadas ganharam incomparável destaque com os anos Bolsonaro – mas agora imantados pela conversa golpista do ex-presidente. Acrescento que os militares realmente são uma corporação nacional, que ressocializa seus integrantes: quanto mais alto o escalão, mais os caras são ligados entre si, formando talvez a burocracia mais homogeneizante do país. 

(Quem leu o clássico estudo de José Murilo de Carvalho A construção da ordem sabe bem que as elites, especialmente as letradas, foram responsáveis, em parte, pela manutenção da unidade territorial do Brasil – eu boto nessa condição justamente o exército.)

O prezado leitor e a atenta leitora têm mais alguma sugestão para essa coleção de causas?

Luís Augusto Fischer


Vivo uma Ramilonga às avessas. Não fui eu que me fui; 
Porto Alegre que se foi de mim.

  

 Zeca Oliveira 


Nesta edição

Voltamos, ainda em meio à tragédia, tentando compreender o tamanho do desastre climático que estamos atravessando e a responsabilidade do poder público, que poderia ter evitado o agravamento da situação – ao menos em Porto Alegre, se houvesse realizado as devidas manutenções no sistema anti-enchentes (muro, comportas, casas de bombas, etc).  

Portanto, não há outro assunto possível: precisamos falar das águas para tentar assimilar o que está acontecendo. Por isso, trazemos um ensaio de Rafaela dos Santos Martins da Rosa sobre justiça e desastre climático e outro de Arthur de Faria sobre o mundo musical porto-alegrense quando da Enchente de 1941. Crônicas de Marta Orofino, Ana Marson e Nora Prado, sobre momentos vividos durante a inundação, e um conto de Rodrigo Breunig de encher os olhos. Juremir Machado da Silva escreve sobre as perdas do Pão dos Pobres e o cenário atual da Cidade Baixa. Compartilhamos também um ensaio fotográfico de Marcela Donini pelas ruas do Centro Histórico. 

Apesar de estarmos um tanto monotemáticos, retomamos também a análise de Théo Amon, sobre três personagens femininas da literatura – a primeira parte, introdução ao texto de hoje, pode ser lida aqui; e falamos dos nossos mortos. Renato Rosa relembra o ator Paulo César Pereio, falecido no último domingo, e Lucia Serrano Pereira presta homenagem ao grande Paul Auster, falecido no final de abril.

Por fim, uma dica: a editora Bestiário publicou o livro Sob as águas, sobre a esperança: Antologia poética sobre as enchentes no RS, com organização de Alexandre Brito, Celso Gutfreind e Dilan Camargo. A obra pode ser baixada gratuitamente aqui.

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